segunda-feira, 28 de julho de 2008

SOBRE CORRUPÇÕES

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Há evoluções positivas e negativas. Muito positivo é o facto de a modernização da administração pública, o Simplex, ter dado uma estrutura mais organizada e ter feito com que a corrupção burocrática e administrativa, a pequena corrupção, tenha diminuído com muito significado em alguns sectores, desde a administração fiscal, algumas câmaras municipais. Estamos a falar daquele dinheiro para fazer andar os pequenos processos mais depressa. Mas, na grande corrupção de Estado, toda a gente tem a sensação que estamos numa situação muito complicada e em crescendo.

Porque a grande corrupção considera-se impune e age em conformidade e atinge áreas de funcionamento do Estado, que afectam a ética pública.

Tenho notado que fazedores de opinião dos mais variados quadrantes escrevem, preto no branco, que chegámos a uma situação em que está em perigo a autoridade do Estado e a dedicação ao interesse público. E toda a gente aceita essas expressões, ninguém se ofende.


JOÃO CRAVINHO

'Público' (27 de Julho de 2008)

sábado, 26 de julho de 2008

DE OUTROS - 6

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11 de Julho de 1942. Sábado às 11 horas da manhã.

Sobre as coisas derradeiras e sérias desta vida só se deve falar realmente quando as palavras brotam de ti tão simples e naturais como se fossem água de uma fonte.

E se Deus não me ajudar mais, nesse caso hei-de eu ajudar a Deus.
Pouco a pouco, a superfície da Terra vai sendo coberta por um grande campo de trabalho e quase ninguém conseguirá ficar de fora. Esta é uma fase que temos de atravessar. Os judeus aqui contam uns aos outros coisas muito agradáveis: que na Alemanha são emparedados ou exterminados com gases tóxicos. Não é lá grande esperteza contar este tipo de histórias mutuamente, e além disso: se de uma maneira ou de outra tudo isto acontece, pois bem, então não é sob a nossa responsabilidade?

ETTY HILLESUM

DIÁRIO (1941-1943)
Assírio e Alvim (2008)

Nota: Etty Hillesum, judia holandesa, morreu em Auschwitz, a 30 de Novembro de 1943

O ESTADO DA NAÇÃO

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1 - António Vitorino, ex-deputado do PS, ex-juíz do Tribunal Constitucional indicado pelo PS, ex-comissário europeu indigitado pelo PS, ex-ministro de governos PS, actual dirigente destacado do PS, comentador político oficioso do PS, eterno D. Sebastianito do PS, conselheiro do PS, jurista de bons pareceres e advogado de bons negócios, vai falar sobre a 'Europa no mundo' numa iniciativa partidária do...PPD-PSD, a Universidade de Verão, que assinala o arranque do novo ano político e, isto, a poucos meses da disputa eleitoral para as europeias.

2 - O 'Expresso' perguntou a Manuel Pinho - aquele ministro com ar inteligente de fuzileiro americano para quem a casa de Almeida Garrett não passava de um amontoado de tijolos e que inventou o Allgarve e a West Coast - se o ministro da economia era 'um director comercial de luxo'. E o senhor ministro respondeu: 'É isso mesmo' e acrescentou, incluindo o primeiro-ministro na definição (segundo o jornal): 'Uma direcção comercial de luxo, ao serviço do país'.

Primeiro, veio-me o vómito. Depois, a vontade (quase) irresistível de me entregar à bebida. Para esquecer.

PM

sexta-feira, 25 de julho de 2008

O PETRÓLEO, SEMPRE O PETRÓLEO

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Há muitos anos, antes da chegada da electricidade à casa dos pobres, na minha terra, lá na Pátria alentejana, contava-se que uma certa mulher adúltera, ao aperceber-se que o marido acabava de entrar em casa - e para não ser apanhada em flagrante delito- lhe gritou do quarto onde 'pecava': «Zéi, não te descalces que tens de ir ao petróleo».



Lembrei-me desta estória a propósito de recentes viagens do 'nosso Primeiro' ao estrangeiro: Rússia, Venezuela, Angola, Líbia (esperemos que esteja para breve uma viagem de retribuição à Guiné Equatorial).



Sendo acontecimentos tão díspares, associei-os por terem duas coisas em comum: o petróleo e a infidelidade. Dela, ao marido; dele, a certos princípios.



PM

DE OUTROS - 5

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«Jusqu'en 1981, la gauche évoquait son histoire, l'enseignait, parfois s'en faisait gloire. À présent tous ces souvenirs la gênent, et surtout les plus forts. Pour être plus légère, la gauche se dandine nue.»

SERGE HALIMI

«QUAND LA GAUCHE ESSAYAIT»
ARLÉA

Até 1981, a esquerda evocava a sua história, ensinava-a, por vezes vangloriava-se dela. No presente todas estas recordações a incomodam, e sobretudo as mais fortes. Para ser mais ligeira, a esquerda bamboleia-se nua.

PM

QUEM ME AJUDA?

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Recentemente, a nossa querida RTP lembrou-se de pôr no ar um programa, misto de entretenimento e concurso, destinado a 'eleger' a figura mais importante da História de Portugal . Nem mesmo a participação de pessoas inteligentes (por algumas delas tenho respeito intelectual) foi suficiente para me convencer a ver o programa, mas soube o resultado final: ganhou Salazar.

Pouco tempo depois, um grupo editorial, proprietário do «Correio da Manhã» e da «Sábado», lançou «Os Anos de Salazar», obra em trinta volumes a aparecer ao longo de outras tantas semanas. Os nomes dos colaboradores deram-me garantias quanto à qualidade do trabalho e aí estou eu a desembolsar oito euros todas as quintas-feiras.

Como não quero, em nenhuma circunstância, ser confundido com nenhum 'eleitor televisivo' de Salazar, quando peço o livro na tabacaria do meu bairro, acrescento sempre ao nome do ex-governante uma palavrinha 'simpática': ditador, fascista, manhoso, misógino, padreca, bota-de-elástico, farsante, papa-hóstias, colonialista, abjecto, hortelão, racista, homúnculo, torcionário, hipócrita, celerado, retrógrado, algoz, genocida, carrasco, facínora, necófrago.

Acontece que ainda faltam oito volumes e a minha memória vocabular já não é o que era. Não querendo utilizar a linguagem casernícola que aprendi nos anos da tropa, alguém por aí me arranja oito adjectivos dignos do 'Botas'?

PM

quarta-feira, 23 de julho de 2008

DE OUTROS - 4

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«On se trompe chaque fois que l'on veut expliquer quelque chose en opposant la Mafia à l'État: ils ne sont jamais en rivalité. La théorie vérifie avec facilité ce que toutes les rumeurs de la vie pratique avaient trop facilement montré. La Mafia n'est pas étrangère dans ce monde; elle y est parfaitement chez elle. Au moment du spectaculaire intégré, elle règne en fait comme le 'modèle' de toutes les entreprises commerciales avancées».

GUY DEBORD

«COMMENTAIRES SUR LA SOCIÉTÉ DU SPECTACLE»
FOLIO

Tradução (e desculpem qualquer coisinha):

Enganamo-nos sempre que queremos explicar qualquer coisa opondo a Máfia ao Estado: eles nunca rivalizam. A teoria verifica com facilidade o que todos os rumores da vida prática tinham muito facilmente mostrado. A Máfia não é uma estranha neste mundo; sente-se nele perfeitamente em casa. No momento do espectacular integrado, ela reina de facto como o 'modelo' de todas as empresas comerciais avançadas.
PM

A GRAÇA DE SER POBRE

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A revista «Pública» é uma 'coisa' que serve, basicamente, para encarecer a edição de domingo do jornal «Público». Contudo, muito espaçadamente, lá vem uma crónica, um artigo, uma reportagem que merecem uma leitura atenta.

A edição do passado dia 6 de Julho 'aliciou-me' para as compras. Assim:

1 Bugatti Veyron - 1.000.000,00 de euros
1 relógio Chopard - 16.000.000,00 de euros
1 telemóvel Goldvism 'Le Million' - 1.000.000,00 de euros
1 cocktail Dazzle ( com opção azeitona ou anel de diamantes) - 32.500,00 euros
1 maço de cigarros Lucky Strike - 100.000,00 euros
1 biquini Susan Rosen - 19.000.000,00 de euros
1 noite no hotel Hugh Hefner Sky Villa - 26.000,00 euros
1 quilo de batatas La Bonnotte - 500,00 euros.

Eu, que «devo à Providência a graça de ser pobre» (tal como António Oliveira, o 'Botas', autor da frase), antes de me precipitar nas compras, 'aconselhei-me' com o horóscopo que a dita revista também publica e foi grande a minha decepção: «Apesar da influência tranquilizante do Papa, esta não é uma semana em que possa contar com facilidades. No plano material encontrará vários obstáculos a projectos e ideias».

Adiei as compras mas tomei uma decisão: em Dezembro, com o subsídio de Natal, vou comprar 100 gramas de batatas «La Bonnotte». E depois da ceia de Natal agradecerei à Providência a graça de ter comido uma rica batata.

PM

LE FROMAGE LIMIÁNÔ

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Pelos vistos, continuam a correr bem as exportações portuguesas de queijo «Limiano» para França. Depois de Bernard Kurchner ter aceite o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros no governo do senhor Nicolas Sarkozy, é agora a vez de Jack Lang, destacado militante e reputado intelectual socialista, viabilizar com o seu voto na Assembleia Nacional a reforma das instituições francesas proposta pelo marido da cantora Carla Bruni e que visa reformar os poderes do parlamento e limitar a dois os mandatos do presidente da República.

«É uma grande vitória para a democracia», afirmou Nicolas.

«Traidor», disse Ségolène Royal, referindo-se ao ex-ministro da Cultura, Jack Lang.

«Viva o queijo «Limiano». Digo eu que sou um simplório mas gosto de ver os bons exemplos portugueses seguidos «lá fora».

PM

segunda-feira, 21 de julho de 2008

FAITS DIVERS

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É sabido que as «Relações Internacionais» existem sem grandes preocupações éticas. Em muitos países (em Portugal, por exemplo) os ministérios que delas se encarregam são mesmo denominados de «Negócios Estrangeiros». E no mundo dos negócios a ética é um conceito de valor desprezível.

É corrente vermos um estadista impoluto (espécie em vias de extinção como o lince da malcata, mas da qual também existirão, em todo o mundo, meia-dúzia de exemplares) cumprimentar um cleptocrata, um «Prémio Nobel da Paz» cumprimentar um genocida. Umas palavrinhas de circunstância e já está.

Dizer: «Temos confiança no governo angolano e no trabalho que tem desenvolvido, o que tem permitido que Angola tenha hoje um prestígio internacional, que tenha subido na consciência internacional e que seja hoje um dos países mais falados e mais reputados» como disse, há dias, José Sócrates é ir muito para além das palavras de circunstância e atingir o elogio subserviente.
(Remorsos de ex-colonizador? Preço do barril de petróleo? Tudo junto e algo mais?).

Organizações como a Transparency International, Human Rights Watch, Amnistia Internacional consideram Angola um dos países mais corruptos do mundo e esta última, no seu relatório de Setembro de 2007, entre outras coisas pouco abonatórias das práticas do poder angolano, afirma: «Um facto que preocupa seriamente a Amnistia Internacional é que o poder legislativo não tenha adoptado legislação que proíba e penalize claramente a tortura, os maus tratos e outros tratos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes».

Para um país «dos mais reputados» não está nada mal. Ou devemos considerar «faits divers» a corrupção e todo o tipo de atropelos aos direitos humanos e, então, perceber melhor as palavras do nosso (salvo seja) primeiro-ministro?

PM