sábado, 31 de dezembro de 2011

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A GARGALHADA DO DIA



«Assembleia da República suspendeu a actividade entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro para "compensar o tempo que não teve no Verão", explica à Renascença a presidente do Parlamento.»


RR

A SEGUNDA MORTE DE EUGÉNIO DE ANDRADE


Câmara do Porto tenta despejar herdeiros de Eugénio de Andrade da sede da fundação

A história que agora ameaça desembocar num processo judicial iniciou-se há 20 anos, quando alguns amigos de Eugénio de Andrade idealizaram uma fundação que albergasse os livros e papéis do poeta, mas também as muitas obras de arte que lhe foram oferecendo ao longo da vida, e que já mal cabiam no seu exíguo andar da Rua Duque de Palmela. Uma ideia que a Câmara do Porto, então dirigida por Fernando Gomes, acolheu com entusiasmo. Já em 1992, numa entrevista ao PÚBLICO, Eugénio afirma que, quando lhe perguntaram se estava disposto a mudar-se para a casa que lhe tinham arranjado na Foz do Douro, respondeu que aceitava viver no edifício da Fundação desde que lá vivessem também o afilhado e os pais deste, e ele próprio não integrasse a sua direcção. 
(...)
Na origem do problema está a extinção da fundação, solicitada ao Governo pelo último presidente da direcção, o professor universitário e ensaísta Arnaldo Saraiva. O diferendo entre os herdeiros e a direcção da fundação começa logo após a morte do poeta, em 2005, designadamente em torno dos direitos de autor da obra de Eugénio. A família adoptiva levou a questão a tribunal, que, segundo Ana Maria Moura, decidiu, com base no testamento do poeta, que estes pertenciam aos herdeiros. 
Público

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

NOTÍCIAS DA PIOLHEIRA

«O contrato de aquisição de 21,35 por cento das acções da EDP pela China Three Gorges Corporation (CTG) vai ser assinado na próxima sexta-feira, disse esta segunda-feira à Lusa o presidente da empresa chinesa, Cao Guangjing, que garantiu que quer manter a equipa executiva da elétrica portuguesa.

O contrato, de quase 2,7 mil milhões de euros, será assinado em Lisboa entre a CTG e a Parpública, organismo do Ministério português das Finanças que controla as participações do Estado em empresas.

Na mesma altura, a parte chinesa entregará ao Estado português a primeira parcela daquele montante, no valor de 600 milhões de euros, indicou à Lusa fonte ligada ao processo.»

Agência Financeira

NOTÍCIAS DA PIOLHEIRA


Jardim não corta pensões vitalícias

Jardim, que continuará a acumular a reforma da Função Pública com o vencimento de presidente do Governo Regional, também não deverá aceitar a medida para os ex-políticos abdicarem da subvenção vitalícia quando auferem rendimentos no sector privado. Mantém assim invioláveis os direitos adquiridos, graças ao estatuto-administrativo da região.

CM

A. R., SARL


Parlamento é "escritório de representações"




A análise fina do registo de interesses dos deputados e o cruzamento com a actividade parlamentar que desempenham permite a Paulo Morais, vice-presidente da organização Transparência e Integridade, afirmar que o Parlamento "é um escritório de representações".
A Assembleia da República "abastardou-se" e, por isso, Paulo Morais entende que a presidente do Parlamento "tem a obrigação de tomar uma atitude, em nome dos princípios éticos", uma vez que não está em causa qualquer ilegalidade. "Se nada for feito, pode aplicar-se o aforismo que diz que 'tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta'", acentuou ao JN.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

PEQUENAS HISTÓRIAS DE GRANDES CANALHAS


Livro diz que Nixon teve relação gay e era alcoólico

A obra que vai ser lançada em Janeiro foi escrita por Don Fulsom, antigo jornalista/correspondente da Casa Branca, e promete muita polémica.
O livro - "Nixon's Darkest Secrets: The Inside Story of America's Most Troubled President" - fala de uma suposta relação homossexual entre o ex-presidente americano e o banqueiro Charles "Bebe" Rebozo, que supostamente tinha ligações com a máfia.
Fulsom recorreu a relatórios oficiais e entrevistou antigos funcionários da Casa Branca e ex-congressistas. Num depoimento, um ex-jornalista da revista "Time" contou que durante um jantar em Washington viu Nixon a segurar a mão do banqueiro.
No livro são ainda relatados episódios sobre a relação turbulenta entre Nixon e a mulher, a quem costumava maltratar, e ainda alegados problemas com o álcool - alguns assessores tratavam-no como "o nosso bêbado".
DN

PAZ À SUA ALMA





«O chimpanzé Cheeta, que participou em vários filmes de Hollywood, incluindo as aventuras de Tarzan, morreu no sábado aos 80 anos, numa reserva natural na Flórida, nos Estados Unidos, revelou a BBC.»


DN

A GARGALHADA DO DIA


Porto teve um “Largo José Sócrates” mas a câmara já removeu a placa clandestina




 No Largo Mompilher, no Porto, surgiu uma nova “placa toponímica” que rivalizava com a oficial, verde, como tantas outras na cidade. A nova placa foi colocada no edifício do café Candelabro – ao que tudo indica anteontem –, e era constituída por seis azulejos de fundo branco e adornos nas extremidades, em azul e amarelo, que remetiam para a clássica azulejaria portuguesa.
A placa anunciava o “Largo eng. José Sócrates”, mas um traço na referência abreviada à habilitação académica do visado como que prenunciava o que se lia a seguir: “(Mentiroso, Corrupto, Incompetente, Primeiro-Ministro de Portugal 2005-2011)”. 
Público

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O MARXISMO-LENINISMO ESOTÉRICO INVENTADO PELOS HERDEIROS DO REI (E CAMARADA) KIM II

A propaganda intensifica-se na Coreia do Norte, à medida que se aproximam as cerimónias fúnebres de Kim Jong-il, marcadas para quarta e quinta-feira. Até as homenagens da natureza ao falecido líder se multiplicam, como a de “uma ave branca, maior que uma pomba, que limpou a neve que cobria os ombros de uma estátua do líder”.
A notícia edificante foi reportada pela Rádio Pyongyang, e citada pela agência noticiosa sul coreana Yonhap, como demonstração da campanha de lavagem ao cérebro a que está sujeita a população do Norte. 

Na segunda-feira, o jornal do Partido dos Trabalhadores, a única formação política autorizada na Coreia do Norte, tinha já noticiado outros fenómenos que só podem ser classificados como paranormais, de supostas homenagens da natureza ao “querido líder” que acabava de morrer: por exemplo, há os três voos que um grou fez em torno de uma estátua de Kim Jong-il, ou a forma como o gelo se quebrou num lago no Monto Baekdu, o seu local oficial de nascimento (“com um rugido que fez tremer o céu e a terra", segundo a agência noticiosa oficial KCNA, relata o “Financial Times”). 

O envolvimento de pombas não é inédito: o “Rodong Shinmun”, o jornal oficial, publicou o relato de trabalhadores de uma fábrica de cimento que estavam a fazer o luto do “querido líder” quando surgiram duas destas aves a bicar na janela. “Ficaram nos ramos de um pessegueiro a chorar durante meia-hora”, contou o jornal, citando os operários.
Público

UM NATAL COM RUY BELO & COMPANHIA


sábado, 24 de dezembro de 2011

COMBATE AO DESEMPREGO



«A licenciatura em Teologia é dos cursos que tem maior saída profissional. A frase é de Peter Stilwell, professor associado da Faculdade de Teologia e vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa (UCP). “Precisamos de mão-de-obra e, se houver candidatos com vocação, o que não falta são postos de trabalho”, diz.»


«I»

BOAS FESTAS


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

APELO

Óh Álvaro, deixa lá de imitar o linguista Joe Berardo e acaba com essa mania das reformas estruturais da língua portuguesa. Não insistas na batalha da "competividade". Vá, experimenta lá: com-pe-TI-TI-vi-da-de. Outra vez: com-pe-TI-TI-vi-da-de. Mais uma vez: com-pe-TI-TI-vi-da-de.
(Não penses que este meu trabalho voluntário de assessoria é uma inocente prenda de Natal. Aguardo a nomeação para a administração do Turismo de Portugal.)



CONTRASTES


Portugueses vão trabalhar mais 23 dias


Deputados de férias até 3 de Janeiro

DO ALENTEJO COM AMOR


Sobreiro já é a Árvore Nacional

A partir desta quinta-feira, o sobreiro é a Árvore Nacional de Portugal, depois de um projecto de resolução aprovado, por unanimidade, na Assembleia da República e de uma petição pública com 2291 assinaturas.
A petição para consagrar o sobreiro (Quercus suber) como um dos símbolos do país foi lançada em Outubro de 2010 pelas associações Árvores de Portugal e Transumância e Natureza.
Público

NOTÍCIAS DA PIOLHEIRA


DE OUTROS

António Mexia: Governo deu "prova de ausência de preconceitos"

EXPRESSO

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

NOTÍCIAS DA PIOLHEIRA

Os juízes que têm a seu cargo julgar as alegadas burlas na Universidade Independente não dispensam uma investigação à licenciatura de José Sócrates.

A juíza presidente, Ana Peres, requereu à procuradora-geral adjunta Cândida Almeida cópia do inquérito que esta conduziu à licenciatura do ex-primeiro ministro e que acabou num despacho de arquivamento.

Os juízes querem saber se o Ministério Público abriu, ou não, qualquer processo autónomo para investigar dúvidas nesse processo.

Num despacho de 30 de novembro, Ana Peres explica que já tem fotocópias, mas não dispensa os originais dos documentos «apreendidos» por Cândida Almeida.

Um ponto interessante, já que o antigo vice-reitor, Rui Verde, publicou no mês passado um livro em que mostra que os originais relativos ao aluno José Sócrates ficaram sempre na sua posse... Logo, o ministério público trabalhou com fotocópias.

Ana Peres explica que várias testemunhas deverão pronunciar-se sobre esses documentos. Uma delas é o próprio José Sócrates, que deverá ser ouvido no dia 9 de Janeiro, comparência em tribunal requerida pela procuradora com assento no julgamento, apesar do desmentido do Procurador-Geral da República.

Várias testemunhas puseram já em causa a regularidade do diploma de José Sócrates: a última foi Carvalho Rodrigues, conhecido como o pai do primeiro satélite português, atualmente conselheiro científico da NATO.

Carvalho Rodrigues pertencia ao conselho científico da universidade E afirmou em tribunal que passavam por ele todos os pedidos de equivalência de alunos com cadeiras feitas noutras escolas. Todos, menos um. A testemunha garante que só agora, em tribunal, viu pela primeira vez as equivalências concedidas a José Sócrates.
TVI24

NOTÍCIAS DA COELHEIRA


Chineses da Three Gorges ganham privatização da EDP


Jornal de Negócios

A GARGALHADA DO DIA

« É preciso ter a coragem de dizer que nunca houve tão pouca corrupção como agora.»


Isabel Moreira
Deputada do grupo parlamentar do PS
'SOL'

O PITROL

«O Fundo Monetário Internacional quer que o governo angolano explique a saída não justificada dos cofres do Estado de 32 mil milhões de dólares (25 mil milhões de euros), o equivalente a 25% do Produto Interno Bruto do país, algo que terá de ser feito até à publicação do próximo relatório da organização internacional, esperado até ao início de 2012.
O valor terá a ver com as contas da Sonangol, a petrolífera que é a base da economia do país, a principal fonte de receitas estatais e detém 15% da portuguesa Galp por via da Amorim Energia, além de ser accionista de referência do BCP. Uma das possíveis justificações avançadas pelo FMI será o facto de as receitas da Sonangol terem sido mal declaradas. Ontem, a organização internacional Human Rights Watch emitiu um comunicado a exigir ao governo angolano que esclareça “imediatamente” onde estão os milhões em falta.»
Público

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

PUBLICIDADE

(EXTRACTO)

KIM, HERDEIROS LDA (OU A SAGRADA FAMÍLIA DE OLHOS EM BICO)


Coreia do Norte vai ser governada por Kim Jong-un e dois tios

 A Coreia do Norte vai passar a ser governada colectivamente, após a morte do ditador Kim Jong-il, embora o seu filho Kim Jong-un permaneça como a figura de proa do regime, diz a agência Reuters, citando fontes próximas do poder em Pyongyang e Pequim.
Os militares, empenhados em desenvolver um arsenal nuclear, prestaram juramento de fidelidade ao herdeiro da dinastia política que governa a Coreia do Norte desde 1948. A liderança colectiva - um triunvirato - incluirá Kim Jong-un, de 29 anos e com fraca experiência política, bem como o seu tio, Jang Song-thaek, de 65 anos, que é na verdade cunhado de Kim Jong-il, e o seu tio mais novo Ri Yong-ho, a estrela ascendente do exército norte-coreano, e actualmente o seu general mais graduado, diz a Reuters. Estes tios são vistos como o verdadeiro poder por trás do trono em Pyongyang.
Público

RENASCER


Hot Clube de Portugal reabre hoje as portas ao jazz

Dois anos depois de ter sido destruído num incêndio, o novo Hot Clube de Portugal, que se orgulha de ser um dos mais antigos clubes de jazz do mundo, é esta quarta-feira inaugurado. De volta à Praça da Alegria, em Lisboa, mas algumas portas abaixo da sua localização original, o Hot Clube de Portugal está de regresso com três dias de espectáculos gratuitos.
Público

"JÁ NÃO ESTAR"


«Depois de Portugal ter escolhido o filme "José e Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes, como o candidato à nomeação de melhor filme estrangeiro nos Óscares, agora foi a vez da sua banda sonora ser reconhecida. A Academia Americana de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou esta segunda-feira a lista das músicas candidatas à nomeação para melhor canção original, onde surge o fado de Camané "Já não estar", especialmente gravado para o filme.
"Já não estar", com letra de Manuela de Freitas e música de José Mário Branco, surge numa lista de 39 músicas pré-seleccionadas, competindo com nomes conhecidos da música internacional como Sinead O'Connor, Elton John, Lady Gaga, Robbie Williams, Pink, Mary J. Blige ou o brasileiro Carlinhos Brown. Entre as músicas escolhidas pela Academia, destacam-se as dos filmes de animação, êxitos de bilheteira, como "Carros 2", "Rio" e "Happy Feet 2".»
Ípsilon/ Público

EMIGRAÇÃO







«O comissário europeu dos assuntos sociais, Laszlo Andor, mostrou-se hoje muito preocupado com a emigração de jovens europeus para outras paragens, nomeando "Brasil, Angola e Moçambique", numa mensagem que parece desenhada para chocar com o apelo à emigração feito pelo primeiro-ministro português, Passos Coelho. Andor não apenas critica a perda de uma "geração inteira" como também recorda o "custo financeiro" que isso acarreta.»


Diário Económico

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

QUANDO NOS AVIVAM A MEMÓRIA, A ZARA TEM AZAR







http://www.youtube.com/watch?v=HNnM2iRwHLE

TRADIÇÃO É TRADIÇÃO


Beja: Nas explorações agrícolas do Baixo Alentejo

Bispo denuncia trabalho escravo

O bispo de Beja denunciou ontem indícios de "trabalho escravo de asiáticos" em diversas explorações do Baixo Alentejo. A maioria destes estrangeiros, de nacionalidade tailandesa, laboram em algumas das empresas agrícolas da região de Odemira, visitadas em Novembro pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. (CM)

A BANALIZAÇÃO DA MONSTRUOSIDADE

Quando um rapazola sem dimensão para chefe de turma de infantário, mas que, por acção milagreira da Nossa Senhora de Fátima, está de secretário de estado para a juventude diz que os desempregados devem abandonar a 'zona de conforto' e optar pela emigração, atribui-se a atoarda à permissividade dos educadores de infância.
Quando um primeiro-ministro aponta os caminhos de Angola e Brasil aos professores desempregados, atribui-se a atoarda à esmagadora vitória do neoconservadorismo sobre a 'social-democracia'.
Quando um ministro, num afã de mostrar serviço, apoia o chefe e acrescenta Moçambique à lista de destinos para a mão-de-obra portuguesa, já só estamos perante uma provocação gratuita.
E quando um país legitima democraticamente gentinha desta e lhe permite o acesso ao poder executivo, o melhor é emigrarmos todos... 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

domingo, 18 de dezembro de 2011

Jazz After Midnight




“A música de jazz é uma inquietação acelerada”                                              
                                               Françoise Sagan

(Para a Luísa)


(…porque chovia, porque perdera o último comboio, porque na gare havia um cartaz e entrara num teatro, podia estar agora a lembrar-se daquela noite no Outono como se numa fotografia antiga que tivesse emoldurado a talha dourada e veludo vermelho-sanguínea: levemente inclinada no proscénio de um teatro à italiana num final de espectáculo, o cabelo apanhado, um vestido preto comprido com uma gargantilha, os braços caídos ao longo do corpo numa meia vénia a desfazer-se…meio debruçada para o fogo-fátuo dos aplausos num final de terceiro acto, meio fechada sobre si própria...e não olhava para o público!...
Fora sempre das coisas que mais o comovera, esse momento do actor quando, curvado para os aplausos, é todo ele embaraço, pudor, fragilidade e contingência… não é já a personagem que deixou pendurada lá atrás a olhá-lo, enigmática, no espelho do camarim, quando o pano caiu, ainda que se mantenham os adereços e o figurino, mas também não é ele próprio ainda aquele que, com gravidade, se curva à boca de cena… nesse caminhar indeciso entre personagem e actor, nesse desfazer, na tensão desse duplo, nesse entreacto silencioso jogado à luz crua da ribalta na terra de ninguém do proscénio, o actor é só a bondade desarmada da gratidão…
A última coisa que guardava dela era a memória dessa bondade – dessa meia vénia a desfazer-se…)

…durante algum tempo ainda voltei lá, mesmo quando depois fui viver para a Praça das Flores − sempre aos sábados, como um ritual: café da manhã na Cister, o 24 na Politécnica…descia no Arco do Cego mas não encontrava ninguém! Avistava era sempre aquela prostituta no passeio da Praia da Vitória, sempre ali, de sentinela, aquela prostituta pequenina que cruzavas quando descias do eléctrico na Estefânia… já não muito nova, com o cabelo amarelo, o vestido de organdi amarelo às florinhas (dizias que era de tafetá!), quase sempre o mesmo vestido amarelo − a “usucapião”!...
…sina de Lisboa, tudo aquilo foi sendo arrasado, a Paulistana, o Monumental, o prédio do Anjo… o Monte Carlo desapareceu e com ele o velho empregado dos últimos tempos, o “Fred Astaire”, aquele que nos levou a viajar... tinha servido a vida toda nos paquetes da Colonial e caminhava agora como que num bolero solitário, à cadência do mar, num improvável tombadilho desarvorado… a bandeja cheia de cálices de conhaque, de aldeia velha, de macieira, de chávenas de café, do que fosse numa mão e a outra volteando, solta no ar, sapateando ao longo do café como se caminhasse a equilibrar-se sobre uma ponte pênsil…ainda cai à água! brincavas, e um dia caiu: homem ao mar!... chamavas-lhe Fred Astaire e gostava de contar coisas das viagens, das tempestades, dos embarcados nos paquetes… nas horas tranquilas do café, ao fim da noite, cruzava sorrateiramente o atlântico para, navegando pelas Bahamas, desembarcar num amanhecer luminoso, de linho branco e panamá, na Havana de Fulgencio Batista (a única que conhecera!), para ir a “um certo sítio”… lugares que só conhecíamos dos mapas ou dos livros do Hemingway ou dos filmes do  Hawks: Martinica, La Guaira, Curaçau, nas Antilhas Holandesas… cruzando todo o mar das caraíbas para desembarcar em Caracas, navegando para o Recife, o Rio e Buenos Aires… Fred Astaire descendo em cada cais “acostável” da linha das Américas, do Caribe ao Rio da Prata e entre dois meridianos, para ir a um certo sítio, para se “desobrigar”… sempre elegantíssimo, flor fresca na lapela, de linho branco e panamá…

(…às vezes estou ouvir o John Coltrane ,”I'm old fashioned”, e vê lá! dá-me para entrar na Zara, sabes, aquela Zara que meteram dentro do Monte Carlo, só crianças e  roupa de senhora… ponho-me para ali a mexer nos topes e nas camiseiras e nos collants de viscose, chega sorrateira a menina, posso ajudar? e então  arrisco, atrapalhado, a salvar a face, que quero ver meias, soquetes de licra… por me parecer o mais inofensivo, o mais consensual e unisexo, sou eu a dizer!... a menina sorri logo às “soquetes”, e enquanto não leva dali o sorriso e não volta já sem o sorriso e com a caixa das licras, fico a olhar para aquilo tudo a tentar perceber, a encaixar-me no puzzle dos tempos… no balcão da menina, que entretanto voltou com outro sorriso que tinha guardado lá dentro, vejo  a “Castaffiore” acabada de chegar da Defensores de Chaves já na groselha e a fazer palavras cruzadas… desvio logo o olhar do decote da menina porque a Castaffiore está mesmo por cima do colo do pescoço dela e o copo da groselha no meio das “saboneteiras” do Vinicius, desvio o olhar para não ser mal interpretado, não vá a menina pensar…e então são as nove da manhã e ali na mesa mesmo ao lado da Castaffiore, a criada do senhor coronel sentou o senhor coronel que vem todo  escanhoado do barbeiro lá do fundo, de junto dos bilhares, e fica ali a folhear o seu jornal e a tirar azimutes até por volta da uma, quando a criada chega para o levar pelo braço, de azimutes guardados jornal lido e café resolvido…o Abelaira, o “Cabelaira”, continua a escrever naquela mesa junto à grade branca de ferro forjado e a Cacilda traz hoje aquela saia pendurona e uns sapatos marroquinos, nós todos a gabar os sapatos marroquinos da Cacilda pena que lhe esconda os joelhos, o que foi consensual, até a própria concordou, pudera!... tudo isso a passar-se na sala do meio que tinha aqueles degraus e acabava num balcão de bar, foi onde o Fred Astaire caiu ao mar daquela vez e onde está agora um manequim de madeira sozinho metido num tailleur rosa chock…agora vou ter de sair porque não há meias de licra para o meu número, a menina enganou-se e disse “não há meias de licra para o seu nome” e sorriu outra vez e estivemos quase a ficar amigos, desde que ali estou já sorriu três vezes, que tente na rua Augusta ou na loja da  Garret…o que eu gostava agora era de continuar ali a ouvir o John Coltrane, “I’m old fashioned”, junto ao tailleur rosa chock solitário e à menina das saboneteiras, o resto da tarde, era do que eu gostava!... mas tenho de sair e então contorno o sr Manuel, ali de cócoras  profissionais, o sr.Manuel engraxador e vinhateiro, que nos põe os dois pés a brilhar quase ao mesmo tempo, então sr Manuel? cá estamos… sr Manuel, sou eu a seguir? e o míldio sr Manuel?, e o oídio, a traça das videiras?...  agora foi-nos logo morrer na aldeia da Beira, de velhice e avc, quando reparava um motor, então, sr Manuel,  isso faz-se?... cá estamos!...ao sair evito o Pacheco e  tropeço no Abelaira, mais um bocadinho acabavam por ir chegando todos e inundavam a Zara e ficava assim uma vernissage ou uma assembleia geral dos inválidos do comércio, mesmo o Zé Gomes Ferreira, lá mais para o fim da tarde, finalmente de ténis e com umas calças sovadas de bombazina…)

…todos assim “ao desamparo”, numa espécie de ociosa orfandade: órfãos relutantes, uns dos outros e dos cafés do Saldanha…

 … o Monumental esventrado, uma dor de alma!... olhávamos para tudo aquilo como quem contempla uma catástrofe: o que restava de um patamar, o labirinto dos corredores, as janelinhas do projeccionista, os nichos dos camarotes, a cantaria ainda de pé da porta dos artistas (a Laura Alves a deixar-se morrer!)… os operários lembravam hienas azuis a mordiscar com os martelos pneumáticos naquela carniça toda…quarteirão do Convés, do Porão da Nau a cair aos bocados − ”little Danzig!”, chamávamos àquilo… a ficar uma cidade fantasma, uma cidade do pós-guerra…

(…a notícia a chegar num dia estranho, gelado e luminoso… ­um dia de palavras breves, de olhos embaciados, persianas corridas…razões de força maior… enganei-me tanto, a vida afinal não é nada do que estava à espera… não tem nada a ver!…mas   também, sem ensaio geral, não há como corrigir as marcações… que tinhas deixado uma carta!)

…tudo a desaparecer, como se um tornado, um mau vento por ali… mas já viste, a prostituta pequenina lá continua no seu passeio da Praia da Vitória, naquele seu passo miudinho, na esquina dela… só ela a restar daquele tempo, a sobrar daquele lugar… dizíamos: está ali há tanto tempo, agora se a quiserem expulsar até pode invocar o usucapião… assim ficou a “usucapião”!… sina de Lisboa que sempre teve esse destino, essa vocação: ou são os terramotos ou é a cupidez ou é a providência cautelar ou é aquela lei velha do Salazar… sempre a desmoronar, a cair aos bocadinhos, todos os dias... agora voltaram as hienas azuis com os seus modos gritados, os seus martelos pneumáticos, os seus capacetes, as suas gruas, as suas botas chapeadas…e a “usucapião” no meio das hienas azuis… ainda lhe cai algum prédio em cima, penso às vezes…
…porque me estou a lembrar agora de tudo isso? talvez seja do Cutty Sark, peço sempre Cutty Sark…não, não fiquei conhecedor a esse ponto: peço Cutty Sark porque, tal como o Fred Astaire, gosto de navios, de bússolas, de quadrantes, de sextantes, de astrolábios… de inclinómetros!... dessas tralhas antigas do mar…e de pedir Cutty Sark no balcão dos bares quando anoitece, decidido − eu que sempre fui um indeciso, um “indecidido”, como dizias − Cutty Sark, traga-me Cutty Sark!.
…ou talvez seja do Charlie Parker, do bebop, do lirismo subido do bebop… ou talvez ainda por gostar de tudo o que resiste, de tudo o que desafia o tempo, que se atreve a um bocadinho menos de eternidade…de tudo o que permanece! por isso gosto da prostituta pequenina, ali de atalaia, no seu território…

  
− Charlie Parker! Começou por dizer, mal acabaram de tocar.
− Charlie Parker?
− Charlie Parker, “all the things you are”!... a Ella também cantava aquilo… depois prosseguiu: Bird, o maior saxofonista de todos os tempos, o maior saxofonista de que há memória, desde que há saxofonistas…uma espécie de Mozart do Jazz (o mesmo Requiem, a mesma morte, e contudo…), morfinómano genial !...fundou o bebop, no pós-guerra, com o Dizzie Gillespie  (o bebop, só para virtuosos!), ele próprio também uma  vítima da guerra, sabias?
− Charlie Parker? Não, não sabia!
− Foi!... às vezes estava tão pedrado que adormecia enquanto a orquestra continuava a tocar, adormecia mesmo! a orquestra “I’m in the mood for love” e ele adormecido! a cabeça ligeiramente inclinada, como se estivesse a escutar…
− E a orquestra continuava mesmo assim? Sem o seu… Mozart?
− Continuava, continuava mesmo assim, sem o seu…Mozart! mas bastava tocarem ao de leve no ombro do seu Mozart para ele imediatamente reentrar, como se nada tivesse acontecido… nunca falhava!...
E continuou citando Charles Mingus, passou por John Coltrane  (tens de ouvir I’m old fashioned, tens mesmo!), Terence Blanchard (tens de ouvir He’s wearing my bathrobe, tens mesmo!)  Ian Garbarek,  que o acompanhava sempre nas viagens para o sul, mas ela já  não estava a ouvir:
− A Mafia ajudou os aliados na libertação da Itália e a conta a pagar, a “folha de encargos”, incluiu, entre outras coisas, a entrada da droga nos bairros negros das cidades americanas… foi isso que o tramou!...
Era ao fim da noite e a noite a “deslaçar”, como ela dizia… ficara o pianista e o sax-tenor, alguém pedira e o pianista ”gentilmente concedera” e estava agora a tocar Sur   le pont d’Avignon  e ela pusera-se a trautear, com leveza,  Sur le pont d’Avignon/ l’on y danse, l’on y danse/ sur le pont d’Avignon/ l’on y danse tout en rang… depois esqueceu o pianista e disse:
− Gostava de ir a Avignon, gostava tanto de ir a Avignon, no verão, quando é o festival… a Europa toda em inter-rail e nunca fui a Avignon, e sempre quis ir…Mas como se não a tivesse ouvido, olhara para o fundo da sala, para o mais longe que podia olhar e deixou cair, como uma moeda: 
− Jam!
− Jam o quê? Ram Jam… black betty?
− Não, Jam, só Jam!  Jota A eM… Session, podes acrescentar.
− Jam Session?
− Isso!
− Jam Session então!... mas já estava longe, a fastar-se…
Jazz After Midnight Session, pensou ele mas também não o disse.
L’on y danse tous en rond/ et puis encore comm’çà…sur le pont d’Avignon/ la musique c’est si bon… voltou ao pianista, depois de um momento. Podíamos ir de comboio, parávamos em Aix e…
− Já com o John Coltrane foi mais a heroína, o álcool e a heroína, outro “patamar”…
− …as coisas que tu sabes, mas as coisas que tu sabes…e se parasses para aí de tagarelar!... e de súbito, fitando-o divertida, desafiadora: olha lá, e também podíamos casar, não fujas com a cara, casar sim, porque não?... em vez de duas casas estragávamos só uma… no cimo da Arrábida, lá bem no alto onde há uma clareira e eu que sei onde fica essa clareira!...agora já nem tínhamos de “publicar os banhos” nem nada... só íamos ao notário “firmar a assinatura”, pagar o “estacionamento”, e depois fazíamos assim uma boda campestre…em Maio, tinha de ser em Maio, eu punha giestas e era uma Maia e tu eras um Maio Moço… mas também não tinhas de ser um Maio Moço, podias ser outra coisa!... até podias muito bem ser apenas tu, tu próprio, sim!...tagarelando... e depois, tu sempre a tagarelar, íamos ao cabo Espichel  atirar flores, não sei se seria lá muito adequado, muito”expectável”, mas íamos!…ou atirávamo-nos nós lá de cima… em asa delta claro!…e depois de uma pausa, suspirando, teatral: ”sempre dependi da bondade de estranhos…”, Blanche du Bois!... assim, torrencial, e ele desatou a rir enternecido − tem swing, nem sabe o  swing que tem…
Era ao fim da noite e a conversa a esgaçar a descoser, a “deslaçar”… a bateria arrumada lembrava-lhe um robot de braços cruzados (e ela corrigia:“de muco caído!”) ou um trem de cozinha desconchavado (e ela:“com o pingo no nariz!”) e o contra-baixo, no pé de descanso, era assim um senhor pequeno para ali encostado na penumbra, no meio de uma sala de fumo…mas o sax tenor levantara-se e parecia rejubilar replicando ao pianista, ali às voltas, porfiando em improvisar a partir de Le pont d’Avignon, e era assim um cavalinho de vénias musical com um cachimbo de volta reluzente… gente que ia subindo e saía para a Praça da Alegria.
−“…sempre dependi da vontade de estranhos…”, repetiu devagar, pensativa, ”o que há de errado em mim?”…sabia aquilo de cor, era do seu trabalho (de “intermitente”! acentuava)… Avignon, gostava tanto, no palácio dos Papas, no palco grande… ou então andar, vadiar pela cidade no meio das troupes, no meio do teatro do mundo…esperando pelo Godot com o Vladimir e o Estragão no meio das Mãe Coragem, das Senhoras Carrar…dos Peer Gynt  das Gaivotas  dos  Sganarelos… dos Pantalone, dos Scapino,  dos  Peppe-Nappa... o Ferruccio Soleri este ano vai lá estar com o Piccolo Teatro de Milão, a fazer o Arlequim mais uma vez, deve ser!… gostava tanto um dia de fazer  commedia del’arte…aprender a safar-me com aqueles truques todos do Scapino, cabriolar até me doer tudo com as tropelias do Peppe-Nappa…não tinha de ser em Avignon, nem eu teria essa sorte, mas podia muito bem ter essa sorte!...podia muito bem, não podia?...  olha  lá, aquilo do Charlie Parker é mesmo verdade?
− É, é mesmo verdade, bastava tocarem-lhe no ombro!
Ficou olhando, pensativa, e depois disse: eu devo ser um pouco assim, não devo?... sempre tão longe de tudo, tão por fora de tudo, a juntar as pontas…mas basta tocarem-me no ombro...Às vezes parecia ir para muito longe e levava-o com ela e ele ficava esperando a olhá-la, o que é que vai sair dali…e tanto podia sair dali um cãozinho cheiriscando-lhe o pescoço, como um guiso numa coleira, como uma bailarina contrafeita numa caixa de música, como uma senhora com lorgnon inalando rapé, como um pinguim Charlot, como um Arlequim com os sonhos trocados… mas às vezes só dizia palhacinho palhacinho, e ficava triste. E acendia um cigarro!
Então o pianista levantou-se, colocou meticulosamente um pano de flanela sobre o teclado e depois fechou o piano.
− Faz-me um desenho!...
− Do Charlie Parker ?
− Não, um desenho! Faz-me um desenho!...
                                               
Faz-me um desenho! pedira-lhe então, um fio de amuada ternura na voz, faz-me um desenho – a penumbra sonora do Hot Club  ao fim de uma noite. Tinham acabado de discorrer sobre seduzir e cativar, sobre os vampiros da solidão que habitam as grandes cidades e porque viera ao caso, de rosas e de raposas, e da responsabilidade imprescritível por quem cativamos; e de como Saint Éxupéry desaparecera, sem deixar rasto, sabe-se lá se para o planeta do seu principezinho, sabe-se lá se numa nuvem de nostalgia (numa trip de nostalgia! corrigira-o sorrindo) pensando na casa de família que acabara de sobrevoar. Depois ficara calado como se tudo aquilo de tão repetido, de tão nos confins de um outro tempo ou do plano geral de uma outra expectativa, o tivesse fatigado até ao insuportável – ou porque já não acreditasse ou porque tivesse percebido que talvez tudo não passasse afinal do obscuro trabalho de uma qualquer faculdade escondida, um pouco “glandular”, diria, uma espécie de “secreção” oculta, que se fosse gastando como a memória ou o discernimento...
…faz-me um desenho! o lábio amuado, o dedo às voltas na beira do copo…“déssine-moi un mouton” lembrara-se então e respondera qualquer coisa sem jeito, a derivar, qualquer coisa de risível, de definitivamente  desarmante: o alvitre sem graça, a assobiar para o lado, um pouco a destratar: mas não há já desenhado?... Não que se comprazesse nesse desabrigado jogar às escondidas, mas depois de tanto, e tão sem jeito, se ter confiado às cegas, remetera-se ao afecto tranquilo de uma hospitalidade calma que não ateasse fogos demasiado altos para não semear mais devastação e decidira, quase sem premeditação, manter-se comedido na ternura e na mágoa discreto quanto pudesse – talvez não tivesse o talento de viver, nunca decerto lho haviam ensinado, essa vigilante capacidade de captar o instante fugidio na desapiedada geografia do tempo. Ou talvez se tivesse habituado, cedo demais, a ser uma pessoa demasiado sozinha.
− Faz-me um desenho!...
…moderadamente “bipolar”, brincava, entre tagarela e ensimesmado, prof. educação visual/”optometria fina”, sofrível amanuense do que quer que fosse com o pecadilho das Humanidades que sai para tomar café, árbitro de elegâncias, infindável palrador de trivialidades… e continuava: “às tantas” agnóstico, quanto baste…cavaleiro andante “precário” a recibo verde, a código de barras, a banalidade consumada, sem tirar nem pôr… uma dor de alma!.. ironizava por vezes consigo próprio… Depreciar-se, mesmo se sorrindo com bonomia, era uma maneira que achava pouco decente, no mínimo pueril, de suscitar o protesto, a contradita… uma estratégia medíocre, um pouco obscena, diria, mas a que amiúde condescendia, como que a um pequeno e secreto prazer inocente – a urgência recorrente, no fundo, como uma pulsão que não controlava, de se conferir, de se ir aferindo no conceito sempre a variar dos que mais amava.
− Faz-me um desenho!...
Lugares…coleccionara cheiros e perfis da cidade, ia a Paris, viajava por Espanha (outras vezes pelas Antilhas, ao canto da lareira, naquele grande cartaz da Cunard pendurado na sala, num navio antigo chamado Aquitania − com um velho atlas e a National Geografic no colo…), metia-se no carro, um 2k a desfazer-se (não era um carro, era “um ponto de vista!”…esclarecia) ligava o Garbarek, voltava do Sul, estava sempre a voltar do Sul...
…no verão violento do sul demorava-se, ficava para abrir a casa, assistia à poderosa alquimia da cal libertando-a da pelagra tenaz dos bolores do ano, das sujidades escondidas onde não tinha chegado a mão diligente das pequenas limpezas, ao vagaroso encerar dos soalhos, ao minucioso arear dos cobres… à noite, os reposteiros afastados pelos dedos da aragem, o sono vinha enxaguado em muitas águas, humedecido de bela-luísa e perfumado pelo alecrim queimado das limpezas de verão… e na aragem chegavam rumores, cantares, vozes longínquas... pelas tardes mergulhava em pegos negros cujos cascalhos e altares de pedra conhecia como às suas mãos, no meio de silvados, de tojos, de salgueiros, de canaviais, habitados por lontras, fojo de cobras de água, trilhos de javalis, por sítios que tinham nomes antigos, Abráfema, Cortes, Água Derramada, Altavasca, ou mais antigos e mais longínquos ainda, Corte de Vicente Eanes, Corte do Gafo… apanhava túberas, ou silarcas, conforme, acompanhava com vinho de talha… crestava colmeias, cruzava montados e pinhais no endireito das flores, dos caminhos das abelhas, das linhas do vento que espalhavam a benfeitoria dos pólenes e vinha outro, “devolvido”, a voz cantada e a pele curtida, quase rude, “assilvestrado”…
…no inverno não saía, na casa de Lisboa punha-se a espevitar um fogo imaginário numa lareira simbólica (uma mentira, uma impostura: sem trempe, sem abano, sem panela de ferro, sem tenaz para as brasas, sem brasas onde assar o que fosse, sem registo, sem chaminé, sem pescoço de cavalo, sem nada!… e sem avó eterna na sua renda de bilros, sem avô eterno implantando a república… uma fraude, uma tristeza!...) uma lareira ampla a fazer de conta, que mandara construir ao fundo da sala e enchera de avencas e rosmaninhos e espigas de trigo maduro e de pinhas secas, porque precisava de “soleira”, de “lar”, dizia, porque precisava do “seu” chão, dos seus cheiros, dos cheiros do seu chão, e apresentava solenemente, enfaticamente, estendendo o braço: não é uma lareira,”ceci n’est pas une pipe”, mas a memória descritiva de uma lareira!… precisara de um lugar assim na cidade para se acoitar nas noites no inverno e deixar-se ir, a ouvir o vento, farejando no tempo, a espreitar a infância… (falta-me aqui um cão enroscado, ao alcance da mão…ou um gato no borralho…ou espreitando ali do friso da lareira, ao lado da braseira de cobre…mas também te falta uma Harley Davidson para dares a volta ao mundo…), voltava ao Camilo, a Cervantes a Tolstoi, ao seu Tchekov, lembrava-se da guerra, mudava de casa.

Às vezes mudava de casa. Morava agora num arrabalde de filme italiano, abrigos de fórmica com anúncios preto e branco, graffitis, semáforos apagados, canteiros de salva ressequida, onde de manhã se metia num autocarro para a cidade a sentir-se dentro de um  filme de Antonioni – num prédio demasiado alto, batido pelos ventos de todos os quadrantes, onde cultivava, a desprazer, uma renúncia elegante, um tanto fingida. De Almada retirara a frase do auto-retrato “nem pessimista nem optimista, não há mal entendidos entre a vida e eu” e enfeitava-se com ela, sem grande convicção, como quem põe luto ligeiro, e depois detestava-se por isso. Amava em Tchekov a violenta melancolia sem idade, o humor sem resíduo, e tinha um retrato de James Dean na parede por debaixo de um poemeto de Tagore em espanhol, encaixilhado em ouro velho, “si de noche lloras/por el sol/no veras las estrellas” - de Lea, num seu aniversário, um subentendido por onde nunca quisera ir  - e conservava, desprezando-a um pouco e por não saber o que pensar, a meia impostura  do “Baiser de l’Hotel de Ville” que mandara emoldurar, como quem conserva a fotografia de um amigo mentiroso. Oferecera-lho uma estrangeira de “curta permanência” que conhecera em Lisboa “a fazer a revolução”, que é como diz “a fazer o Chiado” (que acenava de longe, luminosa e dispersa, vagamente trotsquista, como então se usava… uma mulher à janela…), que lhe mandava de Paris cartas com luas impossíveis e por quem estivera vagamente apaixonado. Gostava de ouvir Tom Waits em 9th Hennepin, não percebia metade mas do que percebia bastava-lhe e não concebia, desde Bogart, que se pudesse falar americano de outra maneira. Mas mantinha uma tenacíssima fidelidade ao Concerto de Colónia de Keith Jarret que ouvia na varanda, no verão, diante do luzeiro longínquo de Lisboa, acompanhando com o olhar os aviões que desciam para a esquerda, sempre para a esquerda, como zangãos de ouro púrpura rasantes no papel de seda da noite. Podia ouvir Keith Jarret horas seguidas, enquanto passava as mãos pelos cabelos e olhava os aviões, com uma aterradora melancolia.
…(déssine-moi un mouton!) a deriva recente (e incompetente!) no álcool, regular mas sem conversão, de que não retirava propriamente prazer ou euforia – uma prática sem “praxis”, ironizava – amparava-o no desprendimento e amolecia-o até a um lirismo urgente, difícil de suportar. Então vinha para dentro, fazia café, metia a roupa na máquina. E pensava que talvez fosse uma sorte se morresse cedo – e que nunca iria à Austrália!… mas já mau não seria se a grisalha dos anos o não punisse em demasia, lhe não envelhecesse sem remédio o desabrido coração…
…mas que desabrido coração? corrigia logo, a emendar a mão, “caindo em si” − o melhor sítio onde podia cair, dizia… irónico, áspero, eriçado: olha lá meu bem, tu tem mas é juízo! juízo e contenção…e respeito! a lamechice galopante mata mais, podes crer, do que a “hemoptise sentimental”…mais de ridículo, percebes?... mas enfim, há sempre a dietética, o retiro termal, o cursillo macrobiótico (zen!), os anti-oxidantes, a meditação transcendental, a Senhora d’Aires e, no limite, as benzodiazepinas e, um dia destes, o testamento vital...mas vê lá, tem cuidado!...

Sem surpresa e ao fim de muito tempo, aprendera que estar sozinho podia ser também uma espécie de “vocação” tardia – preguiçosa e laica!…ao domicílio, brincava! – fruto de um qualquer mal entendido que persistira, e consistia já e apenas, numa conformada gestão corrente do “esconderijo”, um deixar andar que andava por si: a desencantada consolidação de um território que a caprichosa conjugação de mil acasos não permitira que partilhasse. Tudo o que não planeara e onde, ainda hoje, o surpreendia ter afinal interferido tão pouco… mas decerto uma circunstância menor: com um desvelo antigo confiava-se aos amigos para quem, na precária contabilidade dos afectos, se sentia sempre um pouco devedor – uma cidadania dos afectos, proclamava, uma espécie de afinidade electiva alargada, em construção permanente, com chegadas e partidas, fidelidades e deserções…

− Faz-me um desenho!…

Pensava agora, com uma urgência que o sufocava, em qualquer coisa de muito preciso, de muito depurado, que retirasse da mágoa alguma sincera contrição, alguma ágil graciosidade conciliadora - um sorriso contrito em fundo de casa branca com rosas vermelhas. Pensava nisso enquanto descia a cidade, flutuando na noite, o passo vacilante e o olhar disperso em S.Pedro de Alcântara, rasando a silhueta das cabinas de banda desenhada do elevador da Glória imobilizadas no cimo da calçada, emergindo do vapor branco dos candeeiros açucenas velhas − música ao longe, silêncios que já não “ouvia”, respirações, rumores que o confundiam, fiapos de luz, dédalos de súbitas sombras que não decifrava – ao fim de todo este tempo de dieta e “reclusão”, começa a sentir-se um intruso, um estranho nestas ruas, um “turista” visitando uma noite antiga…

…tempo houve em que, na deriva cega das noites, partira à aprendizagem dessa cidade de imprevisíveis disfarces, de pacientes rostos inquiridores vigiando por detrás de janelas baixas, vidros de musgo e azebre, ao longo do silencioso tecer dos carris dos eléctricos por ruas de granito. Ou se detinha, tacteando-lhe a densidade e o contorno, rabiscando nos adormecidos quartos de hotel ou pelos sonoros bares do acaso, notas fugidias sobre um tempo breve que lhe era dado testemunhar - o ímpeto afluente da novidade ainda, um vago desígnio por apurar, uma guerra longínqua por haver, que sabia estar a chegar, sem cuidar de tirar bem a limpo o que procurava, o que o trouxera ali – ele que nascera paredes meias com um quintal de bucho e madressilva, no meio de um povo solar, que sabia cantar – ou mergulhava, cheio de perplexidade, na coreografia escondida de uma outra cidade mais dissimulada ainda, que circulava por secretos lugares, expediente e relapsa, tolerada um pouco por negligência como cotão esquecido no bolso.

…e assim seguia com o seu desenho imaginado naquele rumoroso coração de penumbra, denso vitral de cinza e espanto e suspeição.

 Entrou num bar com reproduções de Delvaux, pareceu-lhe (mulheres sentadas numa rua de casas de madeira e um mar ao fundo), túlipas de luz açucarada, quinquilharias sem idade, cartazes anunciando espectáculos. Nesse ano Steve Lacy viria a Lisboa, vira-o uma noite em Paris, no Dunois, entre cerveja gelada e amigos e sandes de mortadela, tu es fatigué? perguntara-lhe Juliette travando-lhe o braço na Place Stalinegrado. Juliette de que só muito mais tarde viera a saber por meio postal ilustrado de As Cinco Estações–Teatro de Sombras de Lurdes Castro, ao tempo em Paris - um beijo e duas cerejas.
…Juliette, destinatária da vida, alegria somada! que gostava de Brassens e me travou o braço a saber do meu cansaço na Place Stalinegrado, vivia no Marais, Rue Saint-Gilles (ou seria Du Chemin Vert?). Viera do norte, no orvalho da idade. Duas tranças, duas sandálias, uma guisalhante alegria. Fazia café, adiantava o relógio. Caminhava pelo braço de Gabriel, pelo boulevard Housseman, que conhecia Jack Lang e vinha a Portugal pelo Natal. Apanhavam castanhas do chão de Paris. Ria com o queixo mergulhado nos joelhos e era um guiso, endireitava o pescoço, dava-se ares, e era uma gata persa. Um beijo, duas cerejas, um sangue, um nada…uma gata persa caída no chão de Paris.

− Vá, faz-me um desenho!..

(“déssine-moi un mouton”…à meia-noite se levanta o francês/ conta as horas, não conta o mês/ tem esporas, não é cavaleiro/ tem serra, não é carpinteiro/ tem picão, não é pedreiro/ cava a terra, não ganha dinheiro… a avó eterna lá tão longe, no seu cadeirão de vime com gavetinhas, no seu avental de riscado, nos seus óculos pequeninos de tartaruga, na sua renda de bilros…o avô eterno folheando a Ilustração Portuguesa, implantando a República...)

…subitamente amolecido como se a um marulhar de conversas no meio do sono, dormitou um pouco quando, “olhos nos olhos”, Bethânia o atingiu em cheio e dobrou pelo meio como a um pugilista fatigado, na confluência do desconforto, do desapego próprio. Endireitou-se quando sentiu o empregado chegar, bebia sem precaução e pensou, com alguma bonomia auto complacente, que não tinha “tarimba”: para ali escangalhado de remorso e auto comiseração, tão vulgar… fancaria e da pior! ou nem tanto, ou nem isso… ( antes a morte que tal sorte!...) e o riso, ou lá o que fosse, mexeu-se numa remota zona obscura dentro de si como um pequenino animal adormecido que se tivesse voltado e isso devolveu-lhe alguma da perdida confiança e remeteu-o a uma postura um pouco menos vacilante, mais composta, mais caprichada, como se alguma esquecida ponta de dignidade ou lá o que fosse, o estivesse trazendo de volta de um limite qualquer… âncoras e redes brancas e lanternas e bóias vermelhas e clarabóias de latão com as cortinas meio corridas a toda a volta, e então,  risível mestre na “arte da fuga”,  imaginou-se em viagem num acolhedor e baloiçado bar de navio, como os que conhecia dos paquetes para África. Entre gente distante que cultivava uma ressequida nostalgia por portos de mar, luas brancas, amanheceres de névoa. De manhã, depois da papa de aveia e envoltos em algodão em rama, iriam para o deck e leriam Somerset Maugham com mantas escocesas sobre os joelhos, ao sol translúcido do norte. Mas depois pensou que aos grandes navios de carreira do tempo das viagens, que fundeavam em  rumorosos  portos  no meio do improvável, resvés ao sonho ou à aventura, mais não restava que o papel   pintado da costa à vista dos cruzeiros por mares de catálogo ou, em alternativa − presas para sucateiros que lhes abriam o ventre e os decompunham como animais pré-históricos − a apodrecer, sumptuosamente, em recônditas zonas abandonadas no labirinto dos grandes estuários, como as baleias velhas que procuram as praias baixas para morrer. E que o sonho, assim a cores e desdobrável, era já um precário lugar e não passava agora de um exótico bem de consumo, de um destino turístico a cartão de crédito, como qualquer outro, cotado em bolsa e servido, de preferência, em paragens adequadamente distantes e impecavelmente embalado no papel couché das agências…em atraentes brochuras com a indicação de preço, mordomias, previsões do tempo, peripécias do clima, duração e natureza do voo, charter ou outro − de um narcótico ligeiro, um benevolente fármaco de manutenção, que não convinha misturar com o álcool porque os efeitos podiam ser imprevisíveis…

…sendo que, como sabemos, a vida é um palco e Avignon, aonde não combinámos ir, fica na margem esquerdo do Ródano. Vai-se por Nimes deixando à esquerda Tarascon e a casa branca de Tartarin, “la troisième à main gauche sur le chemin d’Avignon”… como me ensinaste!…

(…porque o acaso é uma urdidura, um labor contínuo, um jogo com as cartas marcadas… porque chovia, porque perdera um comboio, porque entrara num teatro...
…quando as palmas serenaram e ficou como que um sussurro, um chover longínquo, um surdo bater de asas descompassado, ela foi recuando, recuando devagar, como se deslizasse, desfazendo a meia vénia, com a uma leveza de bailarina… depois olhou para o fundo da sala e, sem se voltar, curvou ligeiramente a cabeça e desapareceu no vermelho-sanguínea do pano de boca. Quando o teatro ficou vazio, os arrumadores, com lanternas de mão, passaram as filas da plateia uma a uma…depois saíram e ficou tudo às escuras.)

− Faz-me um desenho!...
− Jam, Jazz after midnight − Jam Session!... não se traduz!...

− Sempre quis ir a Avignon…

Casimiro Branco