sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

ONDAS DE CHOQUE

"O ex-ministro das Finanças, coberto pelas “ondas de choque” das “revelações”, com a mão trémula de indignação, decidiu que o banco de que ela era dona nada tinha a ver com ela, e ela muito menos com ele, o ex-ministro e ex de mais coisas. Há uma carreira para os ex, desde que sejam exequíveis, exímios, excedentários, exonerados, execrados, exponenciais e extasiados com a riqueza alheia. O governador do regulador, também coberto pelas “ondas de choque”, veio dizer que tinha suspeitas, o regulador está coberto de suspeitas, mas as suspeitas levavam apenas a outras suspeitas e interrogações, e o regulador não pode mais do que isso, acolher as interrogações. Talvez almoçar com suspeitos e suspeitas. O regulador tem de fazer de Palma Cavalão. Já cá canta o dinheirinho. O regulador mais o ex-ministro “isolaram” Isabel dos Santos. A mulher tem, subitamente, lepra. E ficando ambos horrorizados com tanta e tão medonha corrupção, que nem por um instante imaginaram, emitiram em simultâneo dois comunicados para criar uma espécie de ring fencing, a proteger o banco da sua acionista. Não existirá um nome em português para esta atividade, ring fencing, que não é olímpica embora exija esforço atlético, mas o que se pretende é assentar que o EuroBic nunca praticou o branqueamento de capitais e que o Banco de Portugal nunca suspeitou de branqueamento de capitais e muito menos atuou perante a suspeita de branqueamento de capitais. Os dois, cheios de um desejo de probidade, vão avaliar a idoneidade de gestores e acionistas.
Está tudo em cima da mesa, sem champanhe e sem caviar, habituais nos negócios da família Dos Santos. O ex-ministro Dos Santos cogitaria, espero que não me tomem por um membro da família. Tendo o governador sido escolhido pelo ex-ministro quando era ministro, é provável que curem juntos a ansiedade. O governador já tinha afastado Isabel dos Santos da administração do banco, pondo lá o amigo que o tinha nomeado a ele. O que podia correr mal? Quem ia imaginar que uma conta se esvaziava em tão pouco tempo para o dinheiro reaparecer no Dubai? O capital flui. Corte-se a relação comercial e vai ao sítio. Malditos jornalistas."
Clara Ferreira Alves (E/Expresso)