quarta-feira, 22 de novembro de 2017

OS ZIGUEZAGUES DA HISTÓRIA

Por que é que a história é sempre surpresa

Coloquem-se a 20 anos de distância, por volta do início do século, um átomo no curso da história, e vejam bem se era possível imaginar alguma destas coisas:

1. José Sócrates, antigo primeiro-ministro português, está acusado de mais de 30 crimes. Mesmo que sejam provados dez dos 30, irá passar muitos anos na cadeia. O que é que pensava a Pátria dele? Elegeu-o para primeiro-ministro duas vezes e condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
2. Ricardo Salgado, anteriormente conhecido como o “dono disto tudo”, está acusado de mais de 20 crimes. Mesmo que só sejam provados dez dos 20, irá passar muitos anos na cadeia. O que pensava a Pátria e o mundo dele? Tem um doutoramento honoris causa e várias condecorações nacionais e estrangeiras, muita gente tinha medo dele e ainda mais gente devia-lhe favores. Ele sabe disso.
3. Zeinal Bava, o gestor modelo, premiado com todos os prémios, apontado como exemplo à juventude tecnologicamente afoita, está acusado de cinco crimes. Mesmo que apenas metade seja provada, poderá passar vários anos na cadeia. O que pensava a Pátria dele? Tem um doutoramento honoris causa, e a Pátria condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Empresarial.
4. Henrique Granadeiro, considerado um dos grandes gestores portugueses e com uma longa carreira cívica e política, está acusado de oito crimes. Mesmo que apenas metade seja dada como provada, pode passar alguns anos na cadeia. O que pensava a Pátria dele? Bebia-lhe os vinhos e condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
5. De Carlos Manuel Santos Silva, a Pátria não pensava nada, porque não sabia quem era. Surpresa! O homem ganhava milhões e era muito amigo de José Sócrates e nós não sabíamos.
6. Armando Vara não é exemplo para aqui chamado, porque a Pátria pensava dele o mesmo que pensa agora, mas não deixou entretanto de lhe atribuir a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
(...)
12. Existe pela primeira vez depois de 1974 uma direita extrema que não é uma extrema-direita. Os temas não são os mesmos, a linguagem não é a mesma, é elitista e, felizmente, não sabe ser populista. Pelo menos até agora. Recruta nos jovens educados, de boas famílias e maus costumes sociais.

J. Pacheco Pereira
Público