segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

UM IMENSO ADEUS


«Francisco ergue-se sem se dar ao trabalho de abrir as portadas das janelas, caminha às apalpadelas para a porta, não aguenta, todos os dias o mesmo, vazio, póstumo de si, transformou a mulher em procriante cuidadora de crias, governanta de graça pedindo licença para fazer vestido no modista ou ir escolher tecidos quando não manda à loja lhe tragam amostras a casa, obrigou-a a escrever despesas diárias na Agenda do Lar, a dar contas de tudo, dependente até ao penteado, Francisco ao pentear-se tem saudades dos três anos trespassados em Lisboa fingindo estudar, chafúrdio à bruta em pândegas e pêgas, não passou porém do primeiro da faculdade e desistiu do curso para vir dedicar-se à lavoura de família, tarefa fácil, podia continuar os múltiplos namoros da praxe própria dum rapazola arricalhado, sem precisão de procurar fortuna, pelo avô arranjada ao comprar por tuta-e-meia os Cantares, sete mil hectares, riqueza rápida, terra desbravada à força de braços que querem sua parte e que de dez em dez anos, quando a ditadura finge fazer eleições, escrevem lá nos seus panfletos A TERRA A QUEM A TRABALHA, braços outrora mal pagos, hoje melhor mas não basta, salário não consegue terra, hão-de querer levá-la.»