O Correio da Manhã entendeu entrevistar o inspetor da PIDE, Óscar Cardoso. Aquele mesmo a quem Cavaco Silva atribuiu a pensão vitalícia que recusou a Salgueiro Maia (e este é sempre o Cavaco Silva de que me recordarei e de que falarei a filhos, sobrinhos e netos). Um inspetor da PIDE é, para mim, sempre alguém, e não me poupo na adjetivação, asqueroso, pelo asco que me causa a sua desumanidade, a sua violência e cobardia. Dá-se-lhe a palavra para que ele possa dizer que a tortura com choques elétricos só fazia comichão? Que nojo que isto me causa! Não lhe pesa a consciência, nem por um dia, saber que é responsável por centenas de mortes, por centenas de traumas para a vida, apenas porque havia quem ousasse querer a liberdade para todos?
Não consigo ter respeito pela opção editorial de quem entendeu que esta entrevista era interessante e, ainda menos, pelos destaques dados. No momento em que é preciso preservar a memória do quanto foi preciso lutar para termos democracia, o que me faz comichão é que se branqueiem fascistas, que se tente mostrar uma qualquer humanidade, que se publique sem contraditório a sua versão suavizada da tortura inominável. Este é um exercício de instalação de uma verdade alternativa ao que, de facto, aconteceu. De suavização do terror, de aligeiramento da repressão. E, por isso, não posso considerar aceitável. Ouçamos antes todas as Auroras Rodrigues de Portugal.
Claro que Óscar Cardoso vota Chega. Claro que os fascistas, ou seus próximos, que têm saído debaixo das pedras nas últimas semanas, com ataques à diversidade, com ofensas ao estatuto da mulher, com congressos sobre a conversão de homossexuais, se estão todos a sentir legitimados pelo discurso do Chega e pela torrente de disparates e mentiras que os seus militantes e apoiantes produzem diariamente nos vários esgotos das redes sociais. Claro que Óscar Cardoso vota no André Ventura que gritou contra o regime nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.
João Costa (Ex-ministro da Educação)
Expresso