E, de facto, aqui estamos: em 2023, a tecnologia está, sim, à beira de conseguir repetir os milagres bíblicos mais relevantes, porém só para quem tiver dinheiro.
A tecnologia faz então algo semelhante ao que Cristo fez, segundo as Escrituras, mas, em vez de se dirigir aos pobres, dirige-se aos ricos.
O “interface cérebro medula” está aí a anunciar-se, então, como aquilo que vai fazer, sejamos claros, os ricos tetraplégicos voltarem a andar.
Um pessimista da tecnologia dirá: a tecnologia como um Cristo dos ricos. Alguém ou algo que veio à Terra para salvar unicamente os muito abastados.
E cada anúncio de uma nova descoberta científica deste tipo parece o anúncio de um profeta modesto, uma ‘ciência João Baptista’, que anuncia a chegada de salvadores técnicos; Messias em forma de chips que vêm pôr os cegos a ver e os para sempre imobilizados a levantarem-se e a caminharem.
Mas sabemos como funciona o preço dos artefactos técnicos: primeiro são caríssimos, depois o preço baixa.
Assim, um otimista dirá que a tecnologia salvará primeiro os ricos, sim — mas em algumas gerações, com o baixar dos preços, começará também a salvar os pobres.
Pode ser verdade. Porém, mais uma vez, também no século XXI, e também com a tecnologia, se pede aos pobres o que sempre se pediu: a passiva paciência.
Gonçalo M. Tavares (Expresso)