quarta-feira, 26 de julho de 2023

UM MONSENHOR (QUASE BISPO) DE BEJA

Num mosteiro de Beja, antiquíssimo, cuja fachada gótica, posta no alto duma escadaria de pedra, concita o forasteiro à contemplação embevecida, conservaram-se, me disseram, por muitos anos, preciosas recordações do velho tempo. As últimas freiras que lá houve já um pouco secularizadas pelos pagodes que D. João V mandava ensinar às suas colegas de Odivelas, quando os amantes maçados não vinham às entrevistas nocturnas, expediam-lhes por uma alcoviteira , sob a forma de brinde, algumas das belas curiosidades do mosteiro, baixos-relevos, colgaduras, trípticos, gomis, painéis, e peças de mobília, em termos de acenderem a carne aos machos lassos, pela espórtula da bugiganga, paga adiantada. Ultimamente, houve lá uma abadessa, cavaqueadora dengosa e emérita magana, que convidava os altos funcionários civis a alegres merendas, donde saía bêbeda e saltona, a acompanhar no cravo versos de Bocage.

Conheci um secretário-geral que lhe apanhou magníficas prebendas, e um monsenhor, bispo quase que não desdenhava fazer sentir à freira rábida, nas ocasiões de satiríase, o quanto lhe agradaria avolumar a sua colecção, com uma ou outra peça artística do convento. Assim foram abalando da casa as belas coisas; creio que não há em Beja  homem nenhum de setenta anos, que não possua no seu gabinete, em paga duma noite, alguma recordação da zorra professa.

Fialho de Almeida

'Os Gatos'