sexta-feira, 4 de novembro de 2022

MAIS UM MOMENTO MITTERRAND


 Em recente debate na Assembleia da República, António Costa voltou a falar no 'ódio' que o Bloco de Esquerda tem ao PS. E fê-lo em tom revelador de tiques autoritários que já só dificilmente consegue disfarçar, e que o assaltam com assustadora frequência, desde que é dono e senhor de uma maioria absoluta.

Pois será bom recordar ao sr. Costa que foi o 'ódio' do Bloco ao PS, ao apoiar uma proposta do PCP, que permitiu o acesso ao poder de quem tinha averbado uma derrota eleitoral 'poucochinha'.

O sr. Costa tem uma memória selectiva, característica comum a todos os grandes oportunistas: esquece quem lhe serviu de escada para o poder, mas não esquece a estratégia política de François Mitterrand que reduziu a esquerda francesa à sua expressão mais simples. Talvez a sua ambição de uma 'carreira' política europeia lhe ande a afectar a visão e a capacidade prospectiva. Festeja o enfraquecimento do PCP e do Bloco, mas parece não perceber (ou, percebendo, não se importar) que o definhamento do PS vem a seguir.

Há diferenças entre Mitterrand e Costa? Claro que sim, e não pequenas. Desde logo, a origem e dimensão políticas e a bagagem cultural de cada um. Mitterrand foi sempre um homem de extrema-direita (condecorado pelo regime de Vichy e protector até ao fim do chefe da sua polícia política, responsável pelo envio de milhares e milhares de franceses, judeus e não-judeus, para os campos de extermínio nazis) e Costa nasceu e cresceu em ambiente diferente, mesmo oposto. Mas copiando a estratégia do primeiro, o 'optimista irritante' vai conseguir o que a Direita, em cinquenta anos, não conseguiu - reduzir a Esquerda à irrelevância.