sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A "ESCOLA DE CIDADANIA AVANÇADA"

Brincar com a tropa


A única coisa mais perigosa do que a corrupção sistémica que tomou conta de áreas cruciais das Forças Armadas é o estado de negação dos responsáveis políticos e militares.

Mesmo num país em que a hipocrisia e a cobardia institucional são língua franca, é extraordinário assistir ao estado de negação quase catatónico dos responsáveis políticos e militares face ao cancro de corrupção que alastra nas Forças Armadas. Com a Operação Miríade, a narrativa é de que se trata de (mais) um caso isolado que não belisca o grande prestígio das nossas tropas nem a gratidão das Nações Unidas e da humanidade pela missão portuguesa na República Centro Africana. Quanto ao resto, à Justiça o que é da Justiça e investigue-se "doa a quem doer". Já vimos o filme.

Militares portugueses são suspeitos de terem criado uma rede de tráfico de droga, diamantes e ouro, que inclui o branqueamento dos capitais roubados, a partir de uma operação de manutenção da paz. Quem esteve envolvido nisto traiu a missão que lhe foi atribuída e o sacrifício feito pelos militares portugueses que prestaram serviço ao longo dos últimos anos neste teatro de operações. Não há volta a dar-lhe: membros de uma força que devia ser de estabilização e pacificação da República Centro Africana dedicaram-se à mesma rapina que contribuiu para mergulhar o país na miséria e no caos. Quando não distinguimos os homens da paz dos senhores da guerra é hora de fazer as malas. 

Mas por cá, as cabeças de comando civil e militar continuam enterradas na areia. Marcelo Rebelo de Sousa pôs a melhor cara de orgulho e confiança que conseguiu para as televisões e disse que "não é um ou 10 casos" que abalam a reputação das Forças Armadas. Se não são 10, quantos são precisos? Porque antes da Operação Miríade já tivemos a palhaçada de Tancos – e já tínhamos tido um roubo de armas no quartel dos Comandos na Carregueira. E tivemos o "polvo" da corrupção sistémica nas messes da Força Aérea, onde o defeito da roubalheira há muito se tinha tornado feitio. E tivemos corrupção na compra de equipamentos – os submarinos, os Pandur, os helicópteros EH 101 ou os aviões C295 e P3 Orion, com honras de comissão de inquérito. Tivemos os escândalos de fraude nas famosas contrapartidas na compra de brinquedos para as Forças Armadas. 

João Paulo Batalha

Sábado