quinta-feira, 29 de abril de 2021

AS DIREITAS


 "Não se pode contar uma revolução, como não se pode contar um amor. Um dia os historiadores virão e nós não nos reconheceremos nas palavras que de nós citarem e venham aparecer assim, desgarradas de nós, no seu texto narrativo histórico. Éramos mesmo nós? Dissemos aquelas palavras? Eram bem aquelas as nossas intenções e aqueles os nossos sonhos?

E depois virão os cientistas políticos, que examinarão o regime que naquele ano derrubámos com alegria. Não, não era fascista, era apenas um pouco autoritário, ninguém sofria muito. Não, Salazar não perseguiu ninguém, Peniche era um estabelecimento prisional onde cumpriam pena os réus condenados por um tribunal plenário judicialmente independente e o Tarrafal era apenas uma colónia de recuperação e reeducação de marginais. O fascismo nunca existiu e aguardamos até a chegada do politólogo italiano que nos demonstre finalmente que Mussolini nunca foi fascista.

Interrompo aqui este tom, porque a ironia hoje não é compreendida e certamente os mesmos que descobriram o racismo de Eça nas palavras do personagem João da Ega me irão atribuir, ao ler as linhas que ficaram atrás, uma defesa acendrada do Estado Novo.

(...) 

"A direita democrática que devemos ao 25 de Abril está hoje ameaçada. Nas palavras de Maria de Fátima Bonifácio, graças a André Ventura a direita perdeu a timidez e os paninhos quentes com que vivia desde 1974 e finalmente atingiu o patamar em que poderá fazer a conciliação do confinamento dos ciganos com Burke e da castração química com Tocqueville."


Luís Castro Mendes (DN)