quinta-feira, 27 de agosto de 2020

AUSCHWITZ AQUI TÃO PERTO


“O lugar onde a dignidade termina”: como era o lar de Reguengos há 11 anos

Em 2009, o lar alentejano já era um “cenário dantesco”, lamenta num testemunho ao "Público" Carmen Garcia, enfermeira que lá estagiou. “É preciso mudar de uma vez por todas o paradigma dos lares” em Portugal, sublinha

O lugar é o lar de Reguengos de Monsaraz, no ano de 2009, e o cenário é “dantesco”. “E, quando entrei numa camarata imensa, cheia de senhoras idosas acamadas, quase todas demenciadas e profundamente emagrecidas, nem fui capaz de perceber porque é que ali cheirava tanto a morte e a decomposição. Só quando começámos a destapar as feridas que lhes cobriam os corpos, literalmente da cabeça aos pés, é que percebi que tinha acabado de me confrontar, pela primeira vez, com o lugar onde a dignidade termina.”

O testemunho é dado por Carmen Garcia, enfermeira, num texto publicado no "Público" esta quarta-feira. A autora recorda que entrou no lar do Alentejo onde morreram 18 pessoas como estagiária, e diz que nestes 11 anos o espaço “aparentemente não mudou o suficiente”.

“Sei que é importante que no caso de Reguengos se apurem responsabilidades. Também sei as coisas terríveis que os meus colegas lá viram e viveram. Sei do cheiro a urina, dos idosos só de fralda, do calor abrasador e da falta de condições. Mas também sei que é ainda mais importante que nos façamos ouvir agora, enquanto sociedade, para mudar de uma vez por todas o paradigma de muitos lares deste país”, escreve Carmen Garcia, que aponta que o lar de Reguengos de Monsaraz “está longe de ser caso único.” Como exemplos, refere a falta de quartos individuais nos lares e as recorrentes imobilizações dos idosos, “presos a camas, cadeirões e cadeiras de rodas”, apesar de isso não significar menos acidentes.

“É altura de não nos calarmos, de denunciarmos, de não deixarmos passar, de pressionarmos a Segurança Social para que faça inspeções surpresa e para que não feche mais os olhos”, pede a profissional de saúde.

Expresso