terça-feira, 28 de janeiro de 2020

PRINCESAS E RATAZANAS - O ESGOTO NO SEU ESPLENDOR

"Claro que a “princesa de África” agora tem razões para se sentir traída e abandonada. Julgou que o dinheiro também comprava lealdades e solidariedades, sempre e entre pares, e está a descobrir por si que não existe tal coisa como ser-se alguém sem escrúpulos na prosperidade e ser-se também um cavalheiro na adversidade. Uma vez sem princípios, sempre sem princípios. Concordo que ver o seu auditor de todos estes anos, o cavalheiro da PwC, declarar-se “desiludido” consigo deve meter nojo a uma ratazana. Ver Davos desconvidá-la, depois de se ter feito pagar bem pelo convite que lhe havia feito para intervir na qualidade de grande empresária internacional, mostra bem o estofo moral da elite do mundo. Ver o seu próprio banco, cúmplice nos seus desvios de fundos de dinheiro de Angola para o seu bolso, vir agora “cortar relações comerciais” com as suas empresas, continuando todos sentadinhos nos seus lugares lá no banco, prova que há gente que nem de si própria tem vergonha. Mas é a gente dela, é o mundo dela, são os valores dela. São os guardiões do mais desprezível dos bezerros de ouro: o dinheiro sujo que todos eles sempre souberem ser o dela. Dinheiro roubado a angolanos que morreram por falta de medicamentos nos hospitais, que morreram de fome num país com condições para alimentar de sobra toda a sua gente, que viveram miseráveis todos estes anos, sugados por um regime afogado em lençóis de petróleo e diamantes, cujas receitas, durante anos a fio, nem sequer entravam no Orçamento do Estado. Iam directamente para os bolsos da “grande família”, dos generais e da clique que em Luanda os apoiava, sobrando abundantes restos para os que, em Portugal e não só, lhes forneceram o indispensável know how financeiro, bancário, jurídico e organizativo para se transformarem de salteadores de estrada em respeitáveis empresários internacionais com entrada garantida em Davos."

Miguel Sousa Tavares
Expresso