Um dos criminosos que o matou [Alcindo Monteiro] está em todo o lado na TV, nos jornais e nas redes sociais. Chama-se Mário Machado e está nas notícias por causa do futebol, mas poderia ser outra coisa qualquer. Durante todos estes anos, sempre que não esteve preso por um dos seus vários crimes — não só as agressões que levaram à morte de Alcindo Monteiro, mas diversas outras condenações por extorsão, posse de arma ilegal, ofensas à integridade física, coação agravada e discriminação racial — Mário Machado conseguiu sempre um acesso fácil ao tempo de antena por que tanto anseia. Seja para mostrar as armas ilegais que tem em casa, como há uns anos. Seja porque a televisão pública o decide entrevistar, como há poucos dias, para lhe dar oportunidade de dizer que quer estar mais ativo na vida do seu clube de futebol. Seja porque se decide candidatar à chefia de uma claque de adeptos — cujos anteriores líderes estão a ser investigados por sequestro e terrorismo, nada menos do que isso — e então aí está em todo o lado.
No café onde entrei há pouco a televisão mostrava em letras garrafais o título: “Extrema-direita chega às claques de futebol”. Chega?! Agora é que deram por isso? Já se esqueceram que Alcindo Monteiro foi assassinado precisamente num dia de final de Taça de Portugal, por um grupo de skinheads que tinha assistido ao jogo umas horas antes integrados numa claque de futebol, Mário Machado incluído?
Para cúmulo, as televisões e os sites que mostram um “comunicado” de Mário Machado noticiam também que no mesmo dia e local do lançamento da candidatura à claque de futebol o criminoso racista que ajudou a matar Alcindo Monteiro vai também lançar um novo partido nacionalista. Se isto se passasse em qualquer outra área que não o jornalismo, que tem por obrigação informar-se para poder informar, esta dificuldade em juntar 2+2 seria ingenuidade. Aqui nem irresponsabilidade se poderia chamar: é cumplicidade. Cumplicidade com uma estratégia escancarada para usar as audiências em torno das notícias do futebol como forma de aproveitamento político em favor de um assassino. Mas ninguém se dá conta de que estão a promover um sujeito que é apenas e unicamente conhecido, não pelas suas ideias, não pelas suas realizações, não por nada que alguma vez tenha pensado ou dito, mas exclusivamente por ser um criminoso que ajudou a matar um concidadão inocente que tinha a pele de outra cor?
Rui Tavares
Público