quarta-feira, 10 de maio de 2017

NÃO ERA BRUXEDO, ERA EVIDÊNCIA



O maldito relatório Maldague que a Comissão mandou destruir

Não há alternativa? Haver, havia, mas o documento que a defendia foi destruído na cave da sede da Comissão Europeia. Lá estava escrito, claramente, que “há um grande risco de que métodos autoritários possam gradualmente vir a controlar as nossas sociedades democráticas"
Há exactamente 42 anos, em Maio de 1975, um “grupo de sábios” reunia-se em Bruxelas, a pedido da então chamada Comissão das Comunidades Europeias. O grupo era presidido por Robert de Maldague, chevalier belga, Comissário do Plano em Bruxelas, democrata-cristão de velha cepa. Tinha outros cinco membros. Um professor em Paris, chamado Jacques Delors, outro em Sussex, Stuart Holland. Completavam a equipa um holandês, que viria a presidir ao Parlamento de Haia, Dirk Dolan, e dois académicos, um alemão, Heinz Markmann, e um italiano, Franco Archibugi.
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Em 18 de Julho de 1975, o chevalier de Maldague entregou um relatório, escrito à máquina, com 44 páginas, que, logo na introdução, avisava: "Se o pleno emprego, e uma melhor distribuição de recursos e de lucros para investimento não podem ser salvaguardados, medidas que apenas restrinjam a procura vão chocar cada vez mais com as expectativas sociais de uma melhoria na qualidade de vida." E isso tem uma consequência, continua o relatório, que parece demasiado óbvia hoje, um dia depois das eleições francesas: "A não ser que sejam levadas a cabo reformas de longo alcance há um grande risco de que métodos autoritários - aberta ou dissimuladamente - possam gradualmente controlar as nossas sociedades democráticas."
A conclusão parece quase uma profecia, 42 anos depois: "A escolha é clara: ou a comunidade e os Estados Membros têm a necessária lucidez e coragem para estar à altura da tarefa; ou vão continuamente aplicar políticas tradicionais que resultarão numa série crescente de crises, profundas e brutais, económicas, sociais e, em última instância políticas.”
O que fez a Comissão? Essa é a segunda reviravolta dramática (embora não a última…) desta história. Segundo Stuart Holland, a Comissão, após ler o relatório, “cancelou uma conferência de imprensa” que estava marcada para apresentar as suas conclusões. E mais: “Recolheu todos os exemplares em que podia pôr as mãos, trancou-os numa cave do Berlaymont e destruiu-os.”

De um artigo de Paulo Pena, 'Público'