sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A(s) MEMÓRIA(s) DO ESPOSO DE D. MARIA III

"O livro permite compreender que Cavaco é, sobretudo, uma pessoa que remói. Saiu de Belém e foi para casa remoer coisas. No início do 14º capitulo, o ex-presidente afirma: “Não tenho dúvidas de que teria sido um Presidente da República diferente se não tivesse hábitos de rigor e de trabalho, se a minha formação académica não fosse nas áreas da Economia e das Finanças, se não tivesse sido primeiro-ministro durante dez anos (…).” Escassos cinco parágrafos mais adiante, volta a dizer: “A minha experiência como primeiro-ministro, os conhecimentos de Economia e Finanças (…) e os meus hábitos de rigor e trabalho foram particularmente úteis (…).” Antes disso, já tinha explicado o seu projecto: “(…) pôr o meu saber e experiência ao serviço do país, de modo a que a situação fosse melhor do que seria se a escolha do povo português (…) tivesse sido outra.” E, página e meia depois, repete: “Estou convencido de que (…) contribuí para que a situação económica e social do país fosse melhor do que se tivesse sido outra a escolha dos portugueses.” Trata-se, por isso, de uma obra que se insere num novo género: memórias de uma pessoa que está desmemoriada. Não se recorda que já recordou o que está nesse momento a recordar.
É curioso notar, no entanto, que, na opinião do antigo presidente, a presidência da república faz muito bem à saúde dos idosos: “Para mim, manter a actividade profissional até quando a saúde permitir é a melhor forma de garantir o princípio mente sã em corpo são. Considero que, do ponto de vista psicológico, foi um privilégio ter exercido as funções de Presidente da República entre os 66 e os 76 anos de idade, mantendo uma actividade intensa (…)”. O exercício do cargo de mais alto magistrado da nação junta-se assim ao golf, ao ponto-cruz e à hidroginástica como forma de entreter cidadãos de idade avançada que desejem manter-se activos. Fica a sugestão."

Ricardo Araújo Pereira
Visão