segunda-feira, 24 de março de 2014

DE OUTROS

A impunidade organizada


Quando poderemos dizer que, em Portugal, a justiça não protege os poderosos? Escrevia, em Dezembro de 2010, neste mesmo jornal, que os portugueses previam, com suspeição cínica, o desfecho final dos casos BCP, BPN: lenta agonia até à prescrição. Dito e feito. O sistema financeiro está no epicentro da crise que vivemos e do sofrimento injusto que esta está a infligir às crianças, mulheres e homens deste país.
(...)
A dupla impunidade de Jardim de Gonçalves (não há condenação e não há devolução de dinheiro ilicitamente obtido) deveria cobrir de vergonha todas as instituições envolvidas e levá-las a pedir desculpa aos cidadãos e cidadãs deste país a quem o Estado considera ricos por terem rendimentos mensais pouco superiores ao salário mínimo e a quem corta pensões e salários magros, subsídios de transporte para tratamentos contra o cancro, abonos de família, rendimento de reinserção, apoio na educação especial. Em vez das desculpas, assistimos ao habitual espetáculo de transferência de culpas: o BdP diz que a culpa é do tribunal, que julgou mal o caso e que depois demorou muito tempo a retomar o julgamento; o Conselho Superior da Magistratura (CSM) diz que a culpa foi do BdP, que demorou muito tempo a investigar; a Associação Sindical dos Juízes diz que a culpa é do legislado,r que deveria prever prazos mais longos de prescrição; o principal partido da oposição chama o CSM ao Parlamento porque quer averiguar a culpa; e o Governo está perplexo, pois a ministra da Justiça já declarou, por várias vezes, que com ela tinha terminado a impunidade dos poderosos e há poucos dias anunciou triunfantemente o cumprimento de todas as reformas da troika.
Boaventura Sousa Santos
Público