terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

DE OUTROS

«Ficámos aleijados a escrever em português. Por determinação da lei que impôs o Acordo Ortográfico como medida política de aproximação com os países de língua oficial portuguesa. Os quais, afinal, enjeitam tal medida, pois não o adoptaram! E aleijados também porque ninguém entre nós sabe escrever segundo o Acordo, tão impossível de fixar ele é, ilógico nas suas regras, infinidade de excepções e hipóteses de escrita múltipla. Não se consegue fixá-las, é preciso decorar o que está correcto e o que não está! Não há hoje quem saiba escrever em Portugal segundo o Acordo: escrevem os correctores automáticos (ditadores mecânicos da linguagem que “faz” cultura: como Deus a fazer um “pato” com o Diabo, num livro de Saramago; como a locutora da TV que lança um “réto” (“repto” quis ela dizer, e não “recto”) ou como o aluno que, lendo sobre “a Imaculada Conceção”, passa a escrito como “Imaculada Concessão” – exemplos sem fim, que parecem anedota, se é que tudo isto o não é… Por uma vez, as piadas deixam de fazer rir em Portugal, pois é o ser humano, física e mentalmente, que o Acordo Ortográfico agride, já que a saúde do indivíduo reside também na sua fala e poder de escrita, e ambas se interpenetram.
Não vale a pena exibir mais agravos do Acordo Ortográfico: as críticas que lhe têm sido feitas chegam e sobejam para entendermos o seu alcance de danificação, em expressão e raciocínio, a curto prazo (e já actual!), no falante luso. E as implicações a vir na descida do nosso nível cultural, profissional e económico, no futuro. É uma amputação! Quem aprovou a lei não o supunha, talvez. Embora tenha havido claros pareceres e advertências, na altura devida – e os responsáveis fizeram, no sentido mais próprio, ouvidos de mercador.»
Maria Alzira Seixo
Público