quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

UM TEXTO IMPERDÍVEL

«A nitidez que existia nas velhas ditaduras, os claramente vistos Bem e Mal, a ausência de dúvida nas causas, os perigos a que o corpo se arriscava, alimentavam plenamente a alma. Não era porque o inimigo tinha um rosto que a resistência se tornava articulada com a própria vida, como uma moral. Não tinham rosto os espiões da PIDE. Havia nomes, sim. Mas também temos nomes agora. A diferença é que o novo poder não ameaça directamente com prisão e com tortura. Por um reflexo quase biológico, a violência, o assassinato, o corte da estrutura vital cria mais vida. Era esse o princípio que levava uma revolução a triunfar.

O grande golpe é o que se dirige à alma. O meu sentido de “alma” é o que vem da anima latina, claro está, a instilação da vida que nos torna activos e pensantes. Qualquer torcionário aprende cedo que a alma não se tira com a faca mas com manobras de desorientação e de abatimento. O sopro anímico extingue-se depressa, bem mais depressa que o bater do coração, e sem sujar. “Desanimados”: eis a nossa condição. Bem mais difícil de remediar do que a de meros “oprimidos”, pela diferença que existe entre ter ânimo e não ter. 

O ânimo requer o alerta dos sentidos. Não por caso, entre os soldados na batalha, alma era sinónimo de coragem. É de coragem que necessitamos, da coragem de ver e rejeitar.»


Hélia Correia
Público

Ler na íntegra: http://lifestyle.publico.pt/artigo/329736_com-respeito-as-palavras