Lá pelos idos de sessenta, década de muitos lirismos revolucionários e de todas as rebeldias, Sartre, Jean-Paul Sartre, era figura de proa na defesa da 'revolução', uma revolução mítica e indefinida cujo simples anúncio deixava apoplética a reinante e bem-pensante burguesia francesa.
Como sempre acontece, uns homúnculos que partilhavam fatias ou simples migalhas do poder queriam ver Sartre preso. De Gaulle, presidente da República e alvo principal das arremetidas sartreanas, travou o ímpeto dos zelosos servidores da direita francesa com uma única frase: «Não se prende o Voltaire».
Anos depois, aquando da morte do filósofo, um outro presidente da República, igualmente de direita, Valery Giscard d'Estaing, contra a vontade expressa de Simone de Beauvoir e da restante 'família Sartre', deslocou-se ao hospital onde estava o corpo para lhe prestar uma sentida homenagem.
Por cá, pelo menos nestes últimos anos, as coisas são um pouco diferentes: um governo de ultramontanos dirigido por Cavaco Silva vetou a candidatura de um romance de José Saramago ao Prémio Europeu de Literatura e, anos depois, aquando da morte do Nobel da Literatura, o presidente da República, Cavaco Silva, homem cuja cultura se esgota na segunda quadra de António Aleixo, justificou a sua ausência das cerimónias fúnebres com esta frase culturalmente suicida: «O que um chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos». Lapidar!
Valha-nos, pois, a Arte de rua. Obrigado, pintor anónimo. Vou passar mais vezes no Campo das Cebolas para apreciar a tua obra antes que o camartelo neoliberal a transforme num monte de lixo.