
O partido que pede ou agradece a uma construtora civil que lhe pague as contas pendentes com uma empresa gráfica ou lhe faça obras na sede; o presidente da câmara que usa o emprego municipal como forma de gratificação pelo apoio prestado por certos militantes; o árbitro que recebe prendas e umas noites de luxúria para perverter as regras e os princípios de um jogo de futebol; o funcionário das finanças que mantém um negócio paralelo e que utiliza informação privilegiada, os seus conhecimentos e a sua possibilidade de interpretação das regras para benefício próprio; os engenheiros, advogados, economistas ou arquitectos, entre outros, que são simultâneamente funcionários de um serviço público e empresários ou empregados de fornecedores da mesma instituição; os funcionários de serviços de licenciamento que são ao mesmo tempo projectistas ou candidatos a licenças; etc., são alguns dos cenários que podemos extrair de casos amplamente discutidos na praça pública e que merecem a condenação inequívoca dos portugueses a nível simbólico.
Ao nível estratégico, porém, estas e outras ocorrências são vistas com alguma complacência. Prova disso são as manifestações de desagravo e apoio (orquestradas ou não) de alguns populares, presenciadas em eleições autárquicas e a reeleição de candidatos a braços com a Justiça por crimes de corrupção e similares cometidos no exercício de funções, não obstante a grande maioria dos portugueses afirme, com convicção, que não votaria num autarca se soubesse que ele estava envolvido num escândalo de corrupção. Estes exemplos demonstram a discrepância/conflito entre o mundo simbólico/ideal e o mundo estratégico/real na mente dos indivíduos.»