sexta-feira, 14 de maio de 2010

A LEPROSARIA


Os mais novos não sabem. Dos mais velhos, muitos não se lembram. Aos primeiros conto, aos segundos recordo: quando Salazar caiu da cadeira - para nosso mal com quarenta anos de atraso - foi substituído na chefia do governo. Por caridade ou por medo, ninguém lhe comunicou o facto e os seus ministros visitavam-no na clínica, artilhados com os dossiês, como se fossem despachar com o velho ditador. A ignóbil ficção foi representada até ao momento em que um segundo e mais grave AVC a tornou desnecessária.
Com o actual Presidente do Conselho passa-se algo idêntico: a criatura teve uma primeira e longa fase de deslumbramento provocado pelo exercício do poder, entrando, depois e em espiral, numa perigosa fase de negação. Perdeu o contacto com a realidade e ninguém, por medo ou caridade, lhe diz que já não governa. Os ministros continuam a aparecer-lhe com os dossiês como se com ele despachassem, a 'Europa' e os 'Mercados' decidem as medidas de austeridade mas deixam-lhe o encargo do anúncio e assim lhe alimentam o ego, o 'challenger' diz-lhe que sim nas reuniões de gabinete e, à porta da saída, pede desculpa aos portugueses, o venerando chefe-do-estado-a-que-isto-chegou, aproveitando a visita papal, faz campanha eleitoral para a reeleição e espera, impiedoso, que uma recaída leve naturalmente à interdição do doente.
Portugal no seu melhor: uma leprosaria de almas.