quarta-feira, 26 de maio de 2010

DE OUTROS




«Quando alguém mete ao bolso uma coisa que não lhe pertence dizemos que a roubou. Mas há justificações para meter coisas ao bolso. E diferentes nomes para usar nas várias circunstâncias, conforme o estatuto social e político dos autores. Uma senhora bem vestida que meta na carteira um perfume, numa loja elegante, distraiu-se - e um engano toda a gente tem. Uma mulher que o faça num supermercado suburbano comete um furto que a sociedade não pode permitir. E um banqueiro que esconda num offshore os milhões que ganhou por vender títulos tóxicos aos incautos clientes é um pilar da sociedade que contribui para o desenvolvimento económico. Esta é a base da sociedade e querer subvertê-la é fomentar o caos e a anarquia. E o sistema judicial existe para garantir a sua subsistência.

Quando um deputado rouba alguma coisa também não se trata exactamente de roubo-roubo, como se fosse um maltrapilho qualquer. Pode dizer-se que o deputado se apropriou, tirou ou "roubou" e "furtou", mas entre aspas.

Quando o deputado do PS Ricardo Rodrigues roubou dois gravadores a dois jornalistas fê-lo com um hábil golpe de mão, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida, mas esclareceu que tinha "tomado posse" deles, como teria feito se se tratasse de um cargo oficial. A hierarquia do partido compreendeu aliás o seu gesto e desculpou-o, pois foi provocado pela "violência psicológica insuportável" a que foi submetido pelos jornalistas que o entrevistavam. E todos vimos como os jornalistas da Sábado tiveram a crueldade de o torturar com perguntas sobre temas incómodos, como se não soubessem com quem estavam a falar.

Seria conveniente que não se esquecesse que o deputado é membro do Conselho Superior do Ministério Público e da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, além da Comissão para o Acompanhamento da Corrupção e outras coisas mais.»
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José Vítor Malheiros
(Público)