quinta-feira, 18 de março de 2010

UM IMENSO ADEUS


«Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez o catálogo de catálogos; agora que os meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer, a poucas léguas do hexágono em que nasci. Morto, não faltarão mãos piedosas que me atirem pela varanda fora; a minha sepultura será o ar insondável: o meu corpo fundir-se-á dilatadamente, corromper-se-á e dissolver-se-á no vento originado pela queda, que é infinita. Afirmo que a Biblioteca é interminável. Os idealistas argumentam que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, da nossa intuição do espaço. Alegam que uma sala triangular ou pentagonal é inconcebível. (Os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que segue a toda a volta das paredes; mas o seu testemunho é suspeito; as suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus.) Para mim é suficiente, por ora, repetir o ditame clássico: A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível.»