terça-feira, 12 de janeiro de 2010

UM IMENSO ADEUS


«EM TORNO da sumptuosa mesa dos marqueses, coberta de flores e cristais, onde, sobre a finíssima toalha adamascada, as porcelanas azuis e oiro da China, encimadas do símbolo heráldico, se casam alegremente aos tons vivos das flores raras e ao fulgor frio das pratas cinzeladas, os convivas conversavam alegremente, num conforto rico e bem humorado.
Apenas a marquesa seguia indiferente a conversação, altiva e quase agressiva, no meio dessa sociedade de homens que lhe era antipática pelo sexo.
O seu busto alto, pujante, dominava-os.
Vestia simplesmente e com mau gosto.
Era formosa sem simpatia. O seu olhar esverdeado era mais perspicaz que inteligente; o nariz fino, ligeiramente curvo, a boca vermelha, carnuda, sensual, os dentes fortes em ponta, dentes de carnívoro.
O cabelo farto, castanho-claro, as sobrancelhas nitidamente desenhadas e sedosas, assim como as pestanas que, por vezes, lhe valiam para velar o brilho ardente do seu olhar penetrante.
Um traço fundamental, que desmentia a sua alta hierarquia: - as mãos vermelhas e grosseiras presas a um pulso de atleta.
Era, porém, uma criatura sadia e sensual, própria para o amor e para a maternidade, capaz de inspirar desejos e sensualidades requintadas.
Pelos vitrais abertos da larga varanda-estufa, separada por um arco elegante da sala de jantar, desmaiava no horizonte longínquo, para além dos pinheiros, dos cedros e abetos que, em batalhão denso, desciam a colina, a imensa baía toda azul e oiro.
Os lacaios empoados, vestidos de sumptuosos librés carmesi, e agaloadas a prata, as rudes mãos escondidas por luvas de linho branco, circulavam em torno à mesa, servindo silenciosamente.
- Borgonha...
- Chateau-Juen, 1987.
- Reno...
Uma atmosfera embalsamada de cravos, de rosas, e lilases, misturava-se aos perfumes quentes das iguarias saborosas e ao agreste e fresco aroma dos campos em rejuvenescimento.
A marquesa, ao terminar o almoço, retirara-se seguida pela sua íntima, a condessa de Freixosa, criatura opulenta e formosa, cujo tipo voluptuoso e indolente nos fazia sonhar com as belezas misteriosas dalgum harém de Granada.
Todos os convivas se haviam levantado cerimoniosamente à sua saída, saudando-a profusamente, e a conversa recomeçara logo mais expansiva e franca, acerca de fêmeas, assunto predilecto do marquês.
- A pequena Mercedes é um bom pente, e tenham vocês a certeza de que gosta cá do meco.
Toda a fisionomia loira do marquês se cobriu de felicidade orgulhosa ao proferir estas palavras.
O conde e o conselheiro trocaram um sorriso incrédulo.
É que eles conheciam de longa data o seu vício de gabarola eterno e conquistador. Possuía todas as mulheres; nenhuma até então lhe tinha resistido.
- Quando não vão pela simpatia, vão pela massa, e quando não vão pela massa perdem-se pela minha treta.
- Letra miudinha! - observou o conselheiro.
Riram alto.»