quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

PARECE QUE FOI ONTEM


Foi há trinta e sete anos, mas recordo como se tivesse sido ontem.
Eu era o oficial de dia no 'Comando da Defesa de Bissau' e tinha acabado de assistir ao jantar no rancho das praças quando me apareceu o ordenança do comandante, portador de mensagem urgente:
- Meu alferes, apresente-se imediatamente no gabinete do nosso comandante (no exército tratávamo-nos por 'meus' e 'nossos' como se fossemos todos uns dos outros...).
Cumpri e apresentei-me ao comandante em cujo gabinete estavam também o 2º comandante, o chefe do Estado-Maior e o major das Informações.
Seguiu-se o diálogo curto, mas esclarecedor:
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Comandante - Nosso alferes, que novidades há?
Eu - Nenhumas.
Comandante - Então, vai ficar a saber: mataram o Amílcar Cabral.
Eu - Quem?
Comandante - As tropas.
Eu - Quais?
Comandante - Parece que as dele. O quartel entra imediatamente em prevenção rigorosa. Passe ronda ao arame farpado.
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Saí e rondei, cumprindo as ordens. E enquanto rondei fui dizendo baixinho (eram tempos de silêncio e os poucos que falavam faziam-no em surdina): «filhos-da-puta, filhos-da-puta, filhos-da-puta».
Quando cheguei ao gabinete do oficial de dia, à pergunta "o que é que se passou?" feita pelo oficial de prevenção respondi:
- Filhos-da-puta!