quinta-feira, 1 de outubro de 2009

(UMA BRECHA NA 'REFLEXÃO', PRESUMINDO QUE A MAFALDA TENHA CORRIDO O QUINTETO...)


Quem sou eu para o dizer, mas não daria assim grande crédito à angústia de Papá Liberdade na hora do escrutínio...

Em duas palavras:

A Rua Manuel Bernardes, para quem não conheça, liga a Praça das Flores à Rua da Imprensa Nacional. Morei lá, a seguir ao After-Eight onde, nas noites derrapantes da esquerda líquida, costumava bivacarjunto ao ronceiro e “malhadiço”piano de cauda... After-Eight para onde descia, a bem dizer after midnight ou seja, ao acender da noite vindo, quase sempre, da Cister onde tomava café e frequentava, sem critério, a marmelada da montra, fabrico próprio, que trazia para casa às embalagens de meio quilo (doces tempos)...

(era lá que os via mais, à volta do bule do chá e às vezes,ia jurar, da Patrício Gouveia...)

Não vem ao caso mas, ao tempo, morava no bairro o cineasta António Reis (“recém-chegado” de Trás-os Montes), por cima da Leitaria Britânica onde descia para atender o telefone (o Chico pode confirmar). O O’Neil também morava no bairro, lembro-me perfeitamente de vê-lo a subir a Monte Olivete de converseta com Papá Liberdade...iam para a Cister acabar a conversa, até à hora em que a Cister (era o tempo flamejante da Belle Dominique e da Guida Scarlatty!) ficava com aquele ar meio aturdido de terra de ninguém subitamente atravessada por uma onda garrida de transsexuais e adjacências, de lupanar improvável, de limbo ou porto de abrigo ou entreposto de transformistas e derivados...

O’Neil e Papá Liberdade espreitavam, galhofavam,tomavam o chá, gostavam muito um do outro.

Papá Liberdade, na versão livre que me convém, era argentino e exilado... atenuara-se-lhe um tanto o sotaque porteño mas mantinha-se um argentino, no conhecido critério largo e transnacional de Borges: um italiano falando espanhol e presumindo-se de inglês!... fazendo jus a tão vistoso critério, exercitava as segundas línguas entre o Instituto Italiano ao Salitre e o British Council a São Marçal. Era daí que subia pelo braço de O’Neil para a conversa na Cister. De resto, também morava no bairro, lá mais para cima, na Politécnica, numas águas-furtadas com swing defronte da galeria São Mamede. Com o tempo e o fascismo instalado na Casa Rosada desistira de Buenos Aires e fora ficando muito britânico, nomeava as Falkland, passara a dizer football corner e half-back e, por causa da sonoridade, a preferir o River Plate ao seu Boca Juniores de sempre. Ia a Londres “ver o mundo”, dizia, e vestir-se bom e barato no Car Boot Sail. Em Lisboa frequentava o Estrela Hall e passeava-se no Príncipe Real de shetland wool original ou cachemira e galgo afegãomodificado...

( An Englisman Abroad enfim! o O’Neil brincava com ele...)

Com o O’Neil aprendeu que há mar e mar que há ir e voltar e muitas outras coisas, conversavam de tudo...

Se estamos a falar da mesma pessoa, Papá Liberdade, à beira da urna e nas dores do voto, porque não brinca em serviço irá seguramente lembrar-se do O’Neil e decidir, votando canhoto (no caso, cruz na canhota!): Ele não merece mas voto no ps!

Apostava!

CASIMIRO BRANCO