quarta-feira, 19 de agosto de 2009

UM IMENSO ADEUS


«Fomos um dia, ao fim da manhã, à Grãfina. Uma pastelaria, uma pastelaria fina. E tu gostavas da expressão fina, pastelaria fina. Fabrico próprio. E eu falei-te de outros tempos, mas sem grandes saudades, como se estivesse eu própria a refazer o guião de um filme por pura e simples curiosidade. Já lá não estavam, àquela hora, os meus actores, e tinham-se mudado, eu também, ou a vida por mim, tinha virado radicalmente uma página do cenário. Tomava-se aqui o pequeno-almoço, antes das aulas, os que moravam por perto, e eram muitos. Eu às vezes passava, saía em Entrecampos, tomava café com eles. Chegavam entretanto cansados os noctívagos, davam-se dois dedos de conversa. Resistentes, sorri, desacreditando o que tinha dito. Voltava-se mais tarde. Quem eram? Eram muitos, éramos estudantes, havia até futuros actores e políticos. Era aqui perto «O Tempo e o Modo». Discutia-se muito. Gente de esquerda e ao canto os bufos, os que eram e os que pareciam ser. E um poeta, um grande poeta. Lembro-me de um que havia de dar que falar. Entrava mudo e passava calado e escrevia, escrevia sozinho poemas no meio da maior turbulência, como se nada fosse. Um dia vi-o sair cabisbaixo. Então?, perguntei-lhe. Vou para casa, aqui já não tenho ninguém com quem falar, disse ele, que mal abria a boca e ensimesmado no meio das hostes redigia o poema que, assertivo, nos lia ao fim.»