sábado, 11 de julho de 2009

UM IMENSO ADEUS


«Outra história que lembro com grande emoção é a do poeta andaluz Pedro Garfias. No seu desterro, foi parar ao castelo de um lorde, na Escócia. O castelo estava sempre ermo e Garfias, andaluz irrequieto, ia todos os dias à taberna do condado, em silêncio (pois não falava o inglês, mas apenas um espanhol de cigano que eu próprio não entendia), bebendo melancolicamente uma solitária cerveja. Este freguês mudo chamou a atenção do taberneiro. Uma noite, quando todos os bebedores já tinham saído, o taberneiro rogou-lhe que ficasse e continuassem ambos a beber em silêncio, ao lado da fogueira que na chaminé crepitava e tagarelava pelos dois.
Tornou-se um rito este acto. Todas as noites Garfias era acolhido pelo taberneiro, solitário como ele, sem mulher e sem família. Pouco a pouco, as línguas desataram-se-lhes. Garfias contava-lhe a guerra de Espanha, entre interjeições, juramentos, imprecações muito andaluzas. O taberneiro escutava-o em religioso silêncio, sem perceber, naturalmente, uma única palavra.
Em seguida, o escocês começou a contar as suas desventuras, provavelmente a história da mulher que o tinha abandonado, provavelmente as façanhas dos filhos, cujos retratos com uniforme militar adornavam a chaminé. Digo provavelmente porque, durante os longos meses que duraram estas estranhas conversas, Garfias tão-pouco entendeu uma palavra.
No entanto, a amizade dos dois homens solitários que falavam apaixonadamente dos assuntos de cada um no respectivo idioma, inacessível para o outro, foi crescendo. Encontrarem-se e falarem até de madrugada converteu-se numa necessidade para ambos.
Quando Garfias teve de partir para o México, despediram-se bebendo e falando, abraçando-se e chorando. A emoção que os unia tão profundamente era a separação das suas solidões.»