quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

UM IMENSO ADEUS


«J. C. não acha graça, diz: merda de pátria, azar ter caído aqui, ninguém nem nada me consola, desastre de ter tomado o comboio errado, em descensão há séculos, apodrecido por dentro, por fora velho cagado, arrumado em ramal fechado, atacado da demência do passado, mantido em vida por extremo artifício, tresanda a bafio, a morte, a melancolia inglória. Malta tresmalhada em apatia, em desespero sufocada, resignação desconsolada, cansada de outroras glórias exageradas agora pela memória, desgraçada, fácil de contentar a postas de bacalhau, apostas de totobola, lotaria que anda amanhã à roda, frouxa malta, de genica falta, de energia fraca, molengona fantasia e imaginação que mais não dão senão para contar piadas, inventar anedotas, amargas, alarves, palavriado político, calúnia, vigarice. Embebida em estereofonia para esquecer isto, escuto canção que me faz sentir canto, não quem canta, nem instrumento apto a provocar tremores-de-terra na terra tua e minha, capaz de dar connosco em pataratas, única decente saída deste buraco onde nos afundámos, ou nos deixámos afundar, tu grande Janador acompanhado da pequena Maconhesa que contigo embarca nesta nave de loucos, isolada do mundo e à deriva, cortadas as amarras, os contactos com a «realidade»? a isto chamam país? mero flatus vocis, mania quase mansa mas que custou já milhares de mortos em África? não há safa? o exílio no reino? o reino do exílio? resisto, resistes, gageiro, acima acima, o que fores vulcantemente seja, se alce e erga e chegue aos teus máximos mastros, vê se vês terra diferente entre estrume e astros e galáxias que, indiferentes, nos fazem, desfazem, contemplam lá do alto das esferas geladas.»