quinta-feira, 17 de abril de 2008

O ACORDO HORTO-GRÁFICO

Sigo com óbvio interesse o debate sobre o acordo ortográfico e anoto os potenciais benefícios ou malefícios resultantes da sua ratificação. Atendo aos argumentos de linguistas, filólogos, escritores, críticos literários e leitores atentos de cada uma das partes e dou por mim, muitas vezes, a reconhecer em todos eles uma certa razão.
Só não aceito, de todo, que, em nome dos 'mercados' e da geo-estratégia, se baixe o nível de uma discussão que se quer séria e elevada.
O português não é nem será uma língua de negócios e, sendo assim, que importância para os 'mercados´ poderá ter um errozito ortográfico, em português actualizado ou atualizado, num telegrama da Reuters, numa carta comercial ou nas instruções de um produto fabricado (made in, em português pós-moderno) em Portugal, no Brasil ou em Angola? E uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a invasão do Iraque, por exemplo, tem mais ou menos eficácia se redigida em português do Brasil?
Com acordo ortográfico ou sem acordo ortográfico, continuarei a ler, em português normalizado ou livre, Almeida Faria, Luandino Vieira, Baptista-Bastos, Mia Couto, Gonçalo M. Tavares, Rubem Fonseca, José Luís Peixoto, Pepetela, José Saramago, João Melo, Álvaro Guerra, Clarice Lispector, Francisco José Viegas e muitos, muitos outros.
Não vivo, pois, particularmente angustiado com o destino do acordo ortográfico preparado pelas Academias de Portugal e do Brasil com eventuais contributos de especialistas de outros países de língua oficial portuguesa.
O que verdadeiramente me preocupa (e muito) é o acordo horto-gráfico que está a ser preparado (já não tão secretamente como isso) pelos piños, çantanas, cuelhos, çócrates e jamés de várias partes do mundo e que nos vai obrigar a ir para o Allgarve, em carrinhos "comprados" em lísingue, com um ceprede baixo, a combater o cetresse com a leitura (recomendada pela directora de marquetingue da Tupperware) dessa obra prima da literatura westcoastiana que dá pelo portuguesíssimo nome de "I'm In Love With a Pop Star".
Pessimismo? Esperem um pouco e hadém ver se os allarves não vão pôr os naturais de West Coast a escreverem assim, ou ainda pior, com ou sem erros de horto-grafia.

PM