sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

DE OUTROS

«A Europa culta cedeu lugar a um grupo de nefelibatas que trazem o "Financial Times" debaixo do braço, como expressão cultural maior. Quem governa pertence a uma corporação de "gestores" propensa aos negócios e pouco dada aos fascínios da leitura. Seria curioso fazer-se um inquérito sobre os hábitos de leitura dessa gente, que parece enraizada nos jogos malabares dos números, que pouco mais significam do que isso mesmo: números.

A era do vazio atingiu o seu máximo esplendor. A vacuidade e a frivolidade campeiam. Os jornais perderam a tradicional capacidade de fazer reflectir, e a modinha da "distanciação" afugentou leitores e transformou jornalistas em gravadores ambulantes. Os jornais perdem acentuadamente leitores, e as revistas cor-de-rosa aumentam as tiragens. Os grandes problemas nacionais não nos são explicados, e tudo é feito superficialmente. Um exemplo: a abertura do ano judicial. As televisões limitaram-se a transmitir, numa onda de preguiça que tem feito lei, os discursos monótonos e chatos dos que falam sempre, entre os quais o dilacerante texto do dr. Cavaco. Parece que estamos num mundo de irrealidades absolutas, no qual os verdadeiros assuntos nacionais (como o da Justiça) são tratados a polé.

Por outro lado, a ausência da cultura portuguesa nos debates que ela própria devia suscitar e incrementar, atingiu, já, o território da demissão moral. Repito o que já escrevi nesta coluna: apenas o filósofo José Gil faz ouvir a sua voz indignada e veemente. E, mesmo essa voz, é espaçada, quando devia constituir uma advertência permanente, por avisada e informada que é.

Há quem aceite esta paz podre e pobre. Pensar é perigoso e, habitualmente, interpela e põe em risco os poderosos e a sua ideologia. A frivolidade e o riso mais alvar tomaram conta das televisões, e alguns dos programas, quase todos, deste jaez e estilo, são verdadeiros atentados à inteligência comum. Não pelo riso que condena e critica; sim pela galhofa que encobre e se torna cúmplice. A sociedade portuguesa precisa de um sacolejão valente que a desperta desta trágica letargia. Estamos todos anestesiados? Não o creio.»
Baptista-Bastos
Jornal de Negócios