quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

DE OUTROS

«Os episódios mais recentes da desunião não começaram aquando da recusa do BE de uma aliança pré-eleitoral, para as europeias de 2014, com o Manifesto 3D (Dignidade, Democracia e Desenvolvimento), a Renovação Comunista (RC) e o Partido Livre (PL). Na verdade, a genealogia recente da desunião começou nas autárquicas de 2013. Na preparação destas, em finais de 2012, a direção do PS enviou uma carta pública às direções do PCP e BE propondo entendimentos nas autárquicas. O PCP recusou com o argumento de que não fazia sentido coligar-se com um partido que tinha o posicionamento que tinha face às políticas da troika. O BE disse que sim, desde que o PCP também alinhasse. O PCP deu-se bem na sua estratégia de partido de protesto (e com uma notável ancoragem autárquica), o BE não. Tal como o BE já não se tinha dado bem em 2009, vide por exemplo o caso de Lisboa, o que só prova que o problema não é da liderança bicéfala (aconteceu o mesmo nos tempos de Louçã), é um problema de o BE querer mimetizar o PCP. De qualquer modo, a fragilidade dos argumentos aduzidos pelo PCP para recusar alianças com o PS (a roçar o puro tacticismo) ficou evidenciada em Loures: em 2013, tendo ganho a câmara com maioria relativa, o PCP não hesitou em coligar-se com a direita para fazer maioria.
Claro que o PS também não ajuda para a concretização de alianças à esquerda. Por um lado, porque sempre foi um dos partidos mais centristas da família socialista europeia. Por outro lado, porque, apesar da devastação criada pelo Governo mais neoliberal de sempre em termos de desinvestimento na escola pública, de estrangulamento financeiro das universidades públicas, de desinvestimento e favorecimento na ciência, de dificultação do acesso à saúde, de cortes nas prestações sociais e nas remunerações de servidores públicos e reformados, etc., a preferência de alianças no PS continua a ser com a direita. Esta postura é tanto mais problemática quanto esta governação está assente num monumental embuste eleitoral e num constante afrontamento da Constituição. Tudo isto suporia, portanto, uma maior aproximação entre as esquerdas. Mas não. Por um lado, o PS mantém as suas preferências pelas alianças à direita. Por outro lado, a esquerda radical continua a apostar nas questiúnculas para justificar o facto de nunca se conseguir entender.»
André Freire
Público