sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

A RESPONSABILIDADE DOS JORNALISTAS (?) E DOS COMENTADEIROS

 


"Como Trump, o seu discípulo André Ventura está convicto de que quanto mais embrutecer o seu discurso, quanto mais violento, difamatório e calunioso se tornar, mais ganha. E, infelizmente, todos os dias vemos como essas suas “qualidades” são normalizadas, como foram em Trump, por quem informa e comenta. É assistir aos comentários pós-debates das presidenciais, com as suas infantis atribuições de “notas”, para constatar que as mentiras permanentes do líder do Chega, os pronunciamentos difamatórios, as calúnias e insultos, não são, em regra, motivo para má pontuação. 

Aliás, na SIC-N, na sequência do seu debate com Jorge Pinto, houve até uma comentadora, a jornalista do Expresso Ângela Silva, que esclareceu não valorizar as mentiras de Ventura, “senão dava-lhe sempre negativa”. Ângela estava a responder ao seu camarada de redação Vitor Matos e ao facto de ele ter manifestado incompreensão com, precisamente, essa não valorização. 

Ora bem: se jornalistas (é importante tratar-se de jornalistas) não valorizam, no sentido de relevar, explicitar, reprovar, as mentiras e, portanto também as difamações e calúnias de um candidato presidencial, a quem cabe fazê-lo? Se os pivôs dos debates não erguem sequer uma sobrancelha quando André Ventura calunia mais uma vez Paulo Pedroso e Ferro Rodrigues ou acusa Marcelo Rebelo de Sousa de "traição à pátria" (como esta segunda-feira um deputado do Chega acusou, na SIC-N, o Tribunal Constitucional em peso de "traição a Portugal" por ter chumbado várias normas da lei da nacionalidade), como se fosse normal, como se fosse aceitável, como se não fosse criminoso, não estão a ser cúmplices dessas difamações?

Em 2021, no debate com o então candidato presidencial Marcelo, Ventura mostrou uma foto do Presidente da República com uma família residente no bairro da Jamaica e acusou-o de ter estado com “bandidos”. Nem Marcelo nem Clara de Sousa, a jornalista que moderava (o verbo é claramente mal-empregado) na ocasião, lhe perguntaram por que motivo estava a acusar aquelas pessoas, que nem identificou e que incluíam até uma criança, de serem bandidos. Nenhum se lembrou de perguntar se Ventura estava a fazer aquela acusação por se tratar de negros a viver num bairro degradado. Ou seja, nenhum fez o mínimo que lhe era exigido — ao presidente em exercício, além do mais jurista e constitucionalista, por exigência do cargo e da defesa do princípio constitucional da igualdade, e à jornalista, por ser jornalista. Do mesmo modo, nos comentários que se seguiram ao debate, nem um único comentador valorizou o episódio."

Fernanda Câncio  (DN)