terça-feira, 30 de maio de 2023

TEMPO DE FIÉIS DEFUNTOS

 


Não há dia nenhum em que, vendo nos telejornais os desfiles dessa gente convencida, com currículo (muitas vezes forjado) mas sem biografia, gente de alma minorca, pequenina e mesquinha que, por circunstâncias diversas, e nem sempre nobres ou compreensíveis, se alcandoraram ao estatuto de 'figuras públicas', na política, nas artes e em outros e variados ofícios, não lamente profundamente a ausência de Ramalho, de Eça, de Fialho. O talento de qualquer deles, os 'vencidos da vida', derramado em pequenas gotas numa simples crónica de jornal (dado que nenhuma daquelas figurinhas tem merecimento ou peso específico para chegar a protagonista de um conto, de uma novela, de um romance), seria mais do que suficiente para lhes mostrar, como num espelho, que as ridículas poses de pavão ou águia imperial que ostentam os efémeros 'campeões' de um momento não passam, afinal, de tentativas grotescas e irritantes de camuflarem o pequeno e megalómano garnizé que os habita, e que é adequado à sua minúscula dimensão.

Porém, minutos passados, logo um sobressalto me põe em contacto com a Terra: as prosas de Eça, de Ramalho, de Fialho gastas com gente desta estirpe? Sacrilégio! Os cavacos, os sousas, os costas, os galambas, os loureiros, os santanas, os laras, os coelhos, os relvas, os portas, os montenegros, os varas, os sócrates, a maltosa do tutti frutti e outros artistas de pequeno porte e de semelhante calibre tratados a caneta fina? Pecado capital! Afinal, para estes indígenas que se julgam régulos, para esta gente que goza com quem trabalha, uns minutos de Ricardo Araújo Pereira, mesmo ligeiro e desinspirado, chegam para transformá-los em defuntos animados. Paz à sua alma.