O racismo e o fascismo não passarão!
Carta aberta de 271 personalidades e 35 colectivos pela condenação efetiva da TVI e da difusão de ideias e grupos racistas e fascistas nos media portugueses.
Exmos/as. Senhores/as
Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República
Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, Presidente da Assembleia da República
Dr. António Costa, primeiro-ministro
Dr.ª Lucília Gago, Procuradora-Geral da República
Dr.ª Maria Lúcia Amaral, Provedora de Justiça
Dr.ª Graça Fonseca, ministra da Cultura
Dr.ª Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade
Dr. Pedro Bacelar de Vasconcelos, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
Dr. Pedro Calado, presidente da Comissão Permanente da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial
Dr. Sebastião Póvoas, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social
Representantes dos partidos com assento parlamentar,
Numa mobilização oportunista, ou talvez ingénua, do princípio da liberdade de expressão, alguns meios de comunicação social portugueses, como a TVI, têm vindo a dar voz a ideias – legitimando-as e normalizando-as –, figuras e organizações racistas e fascistas. O contexto político internacional actual – com a eleição de Trump nos EUA, a chegada ao poder, em vários países europeus, de regimes populistas e racistas, assim como a recente eleição de Bolsonaro no Brasil – mostra-nos como as democracias estão em perigo e como os meios de comunicação social influenciam estes processos políticos.
A TVI convidou Mário Machado para os seus programas Você na TV e SOS24 no dia 3 de Janeiro de 2019. Nesse âmbito foi ainda lançada nas redes sociais a sondagem "Precisamos de um novo Salazar?". Mário Machado liderou durante muito tempo os Hammerskins Portugal e foi condenado, em 1997, pelo envolvimento nas agressões que resultaram na morte de Alcino Monteiro, jovem português negro. Voltou, depois disso, a ser condenado por vários crimes, incluindo o de discriminação racial. Hoje, perfilhando a mesma orientação, à revelia da nossa Constituição e aproveitando-se da apatia dos nossos órgãos de soberania neste domínio, lidera o grupo Nova Ordem Social que defende aberta e impunemente “os portugueses primeiro”, “a reconquista da pátria e expulsão dos invasores”, o retorno do fascismo de Salazar e o combate ao que chamam a “islamização de Portugal”.
Mário Machado não foi convidado pela sua formação em Direito, nem para falar da sua experiência prisional. Independentemente da razão objectiva e declarada de tal convite, um dos resultados é que um fascista convicto, um racista assumido e um apologista da violência teve tempo de antena numa estação de grande audiência para defender os supostos “benefícios” do retorno do fascismo e convocar os telespectadores para a manifestação "Salazar faz muita falta!", marcada para dia 1 de Fevereiro, e tudo isto a Democracia e os democratas não podem aceitar. A democracia não pode contemporizar com quem recusa, persegue e destrói a abertura e a inclusão democrática e é por isso que o número 4 do Artº 46º da Constituição Portuguesa consagra o princípio de que “não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.”
O mesmo canal tem vindo a acolher Barra da Costa, Quintino Aires, Susana Garcia ou André Ventura, os quais repetidamente divulgam abertamente ideias racistas e xenófobas. A TVI patrocina o trabalho de Bruno Caetano que não consta da lista da Carteira Profissional de Jornalistas e cuja escolha temática e ângulo de análise são reincidentes no seu teor ciganófobo e na expressão de simpatia por ideias fascistas. Por várias vezes, as intervenções dos apresentadores do programa Você na TV (Manuel Luís Goucha e Cristina Ferreira) têm sido ciganófobas, como aconteceu no dia 19 de Julho de 2017 e na primeira semana de Outubro de 2018. Os programas Você na TV! e SOS 24, nos canais TVI e TVI24, têm contribuído para legitimação do fascismo e das suas vozes e é absolutamente inaceitável que se continue a tolerar impunemente tais programas e orientações tendo em conta a nossa Constituição e a Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais (Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho).
Apesar de inúmeras queixas apresentadas, ao longo dos anos, às entidades competentes, o racismo e o fascismo têm passado, mais uma e outra vez, impunes nos nossos meios de comunicação social. É inaceitável a amorfia e inacção das autoridades responsáveis pela salvaguarda da democracia e não discriminação nos meios de comunicação social. É que, ao contrário do que diz Manuel Luís Goucha, ecoando posições de outras figuras insuspeitas no nosso espaço mediático, em democracia nem todos os pontos de vista são bem-vindos, a manifestação de ideais antidemocráticos é uma violação grave que merece condenação dura e exemplar. O racismo, a xenofobia, o fascismo, a homofobia e o machismo não são opiniões, são crime e põem em risco as sociedades democráticas.
No caso português, cabe aos órgãos de soberania e à tutela da comunicação social, destinatárias desta carta, a responsabilidade de agir rápida e energicamente na salvaguarda da nossa Democracia, o que não tem acontecido.
Nós, cidadãos, colectivos e entidades subscritores/as desta carta,
Exigimos que os órgãos de soberania se posicionem de forma inequívoca sobre este caso.
Exigimos uma sanção efectiva por parte das entidades competentes, da amplamente reincidente TVI, assim como de todos os órgãos de comunicação social, empresas e pessoas que têm contribuído para a propagação de atitudes e discursos racistas, fascistas, homofóbicos e sexistas.
Exigimos uma estratégia política específica e proactiva de combate a esta deriva racista e fascista nos media portugueses.
O racismo e o fascismo não passarão!
(Publicada no jornal 'Público')