segunda-feira, 20 de abril de 2015

DE OUTROS

Pois bem: os pressupostos do AO90, agora que ele se encontra disseminado à força (embora sem ser, ainda, lei), foram gorados na sua quase totalidade. Pretendia-se pôr fim a uma “deriva ortográfica”, mas no lugar onde havia duas ortografias de base geográfica bem determinada (a luso-africana e a brasileira) existem agora três ortografias, as anteriores e a do acordo, que conseguiu até o prodígio de tornar diferentes mais de meio milhar de palavras que em Portugal e no Brasil se escreviam da mesma maneira; além disso, com a admissão de duplas grafias e facultatividades perdeu-se a noção de ortografia, não sendo possível, em exames, alunos e professores entenderem-se quanto às normas. Se ortografia “à vontade do escrevente” é admissível, a ortografia acabou. E qualquer acordo será inútil.
Por outro lado, havia a miragem dos mercados. O governo de Sócrates, ao longo da sua existência, recorreu a dois estratagemas para acelerar o acordo: aprovou, logo em 2005, o 2.º Protocolo Modificativo do AO para que pudesse ser aplicado só com a ratificação de três países, dispensando o apoio dos restantes signatários do tratado original; e, em 2011, já de saída do poder, antecipou em vários anos a sua aplicação no Estado (para Janeiro de 2012) e nas escolas (no ano lectivo de 2011/2012). Esta “pressa” tinha por objectivo selar um acordo político entre Portugal e o Brasil, dispensando o resto. Mas os que, dali, esperavam benefícios rápidos esmoreceram. Não existe hoje um mercado “comum” de edições, como falsamente se propagandeou. E a confusão de grafias com as novas regras só tem estimulado a “deriva” que se criticava, multiplicando os erros.
Editorial do Público