«A inflação literária que, por todos os lados, nos está assaltando caracteriza-se por um lamentável exercício do devaneio literato, apimentado com inúmeras referências irresponsáveis a filósofos ou escritores que morreriam de vergonha se ressuscitassem para ver-se citados em contextos tão crassamente ignorantes e tão descaradamente suficientes. Estes contextos preenchem colunas cerradas das páginas ditas literárias e, se a gente não se precata, está lendo de enfiada a coluna do lado, pertencente a outro artigo ou a um conto imensamente poético, sem dar por isso... É que todas as superficialidades são idênticas, todas as contrafacções se assemelham. E de versos nem é bom falar.
A cultura tem de ser procurada fora do círculo vicioso da criação e da crítica exclusivamente literárias, que, por si sós, não só não dão cultura a ninguém, como fornecem aos pouco exigentes uma pedantaria totalmente vazia de conteúdo. E, sem cultura dolorosamente conquistada e impiedosamente esclarecida, não há literatura que não seja falsa, não seja uma perigosa e dissolvente escola de cinismo e de servidão degradante. Porque o homem como indivíduo não pode ter a pretensão estulta e criminosa de bastar-se a si próprio - e é nesse postulado que assenta o exercício de uma literatura entregue a si mesma. Só os escravos se bastam a si próprios».