sexta-feira, 23 de setembro de 2022

NOS BASTIDORES DO TIK-TOK

"Há pouco, Michelle Bachelet despediu-se do cargo de Alta-Comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas com um relatório devastador sobre as atrocidades e possíveis crimes contra a Humanidade cometidos precisamente na região de Xinjiang, a terra-berço das túlipas. O que amarfanha a alma e faz doer o coração não é apenas o cinismo sínico, mas a insensibilidade de nós todos, a indiferença geral perante o sofrimento alheio, o modo com que displicentemente calámos e atirámos para um canto o relatório de Bachelet, que a China tem tentado silenciar na imprensa de todo o mundo (Portugal incluído: quantas notícias surgiram sobre ele?). Mais de um milhão de uigures foram internados em campos de concentração, centenas de milhares de crianças foram separadas dos pais, há notícias confirmadas de fuzilamentos e de torturas e nós, aqui, neste canto do mundo, andamos alegremente entretidos a fazer palhaçadas infantis no TikTok, um aplicativo chinês que vigia ao milímetro, silencia e sufoca todos os críticos de Pequim, com destaque para os activistas uigures (veja-se, por exemplo, Tech Tent: Tik Tok and the Uighur Muslims, BBC, 29/11/2019).

No fundo, e a comparação é legítima, é como se existisse um relatório internacional sobre o holocausto dos judeus pelos nazis e todos nós continuássemos tranquilamente a ouvir a rádio do Terceiro Reich e a usar a sua tecnologia. Da próxima vez que gravar um vídeo palerma no TikTok, lembre-se disso, lembre-se de que está a alimentar um regime tirânico, e recorde, nem que seja por segundos, os milhares, as centenas de milhar de crianças uigures que são retiradas aos pais e educadas em campos de concentração. Se ainda é humano, não se esqueça disso."

António Araújo (DN)