sábado, 17 de setembro de 2022

JORNAIS E LIVROS

"A meio do século XX em que eu nasci ("o mundo de ontem"), todos os jornais tinham páginas e suplementos culturais, nos quais a literatura dominava e onde as querelas entre os literatos ocupavam a atenção excitada de quem se interessava pelas coisas da cultura. Tínhamos a noção, leitores do Diário de Notícias como leitores do Diário de Lisboa, fiéis do Comércio do Porto como do Primeiro de Janeiro, que muito se jogava então na literatura. Até o debate político, proibido de se exprimir abertamente, pedia emprestado o manto literário para vir a público, neorealista para os comunistas, presencista ou independente para os democratas não comunistas, e as polémicas entre escritores ferviam, negado que nos era pela censura o debate político aberto.

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"E, contudo, há leitores. Eles continuam a ler e a comprar livros. Eles interagem com os livros como todas as gerações fizeram, mesmo que hoje leiam no kindle ou no computador. Eles procuram os novos livros e se calhar (quem sabe, há gente para tudo!) não precisam de mais informação sobre o Moby Dick ou a Ana Karenina, reeditados pela enésima vez em Portugal. Mas a verdade é que os leitores formam hoje, aos olhos da edição de massas, não um público, mas um mercado, não um sujeito que reage e sinaliza, mas um inerte objeto de marketing.

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"A mesma melancolia nos invade, leitores de jornais e leitores de livros. E se os jornais falam cada vez menos dos livros, podem os leitores dos livros sorrir para os jornais e dizer-lhes: De te fabula narratur! Temos todos a mesma história e caminhamos todos para o mesmo fim!"

Luís Castro Mendes  (DN)

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