quinta-feira, 14 de julho de 2022

O DINHEIRO SUJO ANGOLANO E A LAVANDARIA PORTUGAL

O cadáver de José Eduardo dos Santos é um ativo tóxico

 

Essa encenação de continuidade e de rutura, à beira da eleição presidencial do mês que vem, é tanto mais útil para João Lourenço quanto mais fundadas são as dúvidas de que na verdade, sob a capa do combate à corrupção, o que está verdadeiramente em curso não é a limpeza do Estado, mas a mera substituição de uma quadrilha por outra. 

É neste contexto que decorre a disputa pela carcaça presidencial, que incluiu negociações sobre eventuais salvo-condutos (formais ou informais) que permitissem aos filhos de José Eduardo dos Santos irem a Angola para o funeral sem precisarem de temer a sua própria prisão, à conta dos processos que têm às costas. Que seja este o estado das coisas é o epitáfio mais eloquente sobre o balanço de 38 anos de poder de um homem que teve um papel crucial na luta pela independência e na afirmação do novo Estado, que presidiu depois ao fim da guerra civil, mas degenerou em capitão de um sistema de corrupção e rapina que enriqueceu os seus próximos, deixando o povo na miséria. 

Este é um drama angolano, mas não é apenas angolano. Visto de Portugal, é útil (mas pouco) discutir a influência do legado tóxico do colonialismo no legado tóxico de Eduardo dos Santos. Porque o problema real não está no passado, está no presente. A transição para um novo Governo (ainda que do mesmo MPLA) em Angola e a revelação dos Luanda Leaks contribuíram para tirar o trono a Isabel dos Santos e a outros filhos de Zedu. Mas, cá em Portugal, os bancos, escritórios de advogados e consultores que montaram os seus negócios e lhes venderam estatuto e respeitabilidade continuam felizes e prósperos nos seus pedestais. O antigo colono continua a receber e a lavar o dinheiro sujo. E tal como o fez para os filhos e amigos do antigo Presidente, assim o faz e fará para os filhos e amigos do atual, e dos próximos. 

João Paulo Batalha

Sábado