segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ENSAIO SOBRE A PEQUENEZ

Joaquim Vieira sabe escrever biografias. E aí estão as biografias de Mário Soares, Francisco Pinto Balsemão, José Saramago a atestá-lo. Três trabalhos de investigação notáveis e sem concessões.
Porém, talvez por não se ter libertado totalmente do pacóvio e leiriense hábito de espiolhar os estendais das vizinhas para verificar se as cuecas estendidas revelam sinais exteriores de luxúria, Vieira não resiste à tentação de carregar no picante para tornar o prato da leitura apetitoso aos leitores mais dados ao voyeurisme. Foi assim com Soares, foi assim com Balsemão (neste caso com pormenores a roçarem a abjecção), volta a ser assim com José Saramago.
É certo que nenhum dos biografados tem currículo para candidaturas a santinhos da Opus Dei, e nem o cardeal Saraiva Martins lhes valeria, mas o uso e abuso do picante podem ter efeitos perversos. Estes, por exemplo: a Visão titula Saramago: Nobel "doido por mulheres" em nova biografia e o Público entrevista o autor e puxa para título O machismo é mais surpreendente no Saramago por causa da sua posição ideológica. Uma pessoa não está à espera disso.
Ora vejamos: alguém imagina o Nouvel Observateur (ao tempo ainda se chamava assim) a titular, para assinalar os vinte anos da recusa do prémio Nobel, Jean Paul Sartre era um grande coleccionador de namoradas? Ou o Libération, para comemorar os vinte anos da atribuição do Nobel ao autor de O Homem Revoltado, trazer em título No dia da sua trágica morte, Albert Camus escreveu às suas quatro amantes que o esperavam em Paris?
Somos muito pequeninos, não somos?