OPINIÃO
Cantas como cantam os marinheiros
Na sua crónica mensal, a poeta Matilde Campilho presta uma sentida homenagem a Leonard Cohen pelos seus 81 anos e pede-lhe que aceite "um beijo deste planeta derrotado".
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Cohen nasceu em 34, e em 34 as histórias de fronteiras e de gente subindo às janelas de comboios como quem sobe um pé de feijão que promete a magia ainda não tinham entrado na Europa. Isto é mentira. Foi de 1939 a 1945 que nós vimos as janelas e as cabeças serem todas estilhaçadas e rebentadas. Depois disso nunca mais nos levantámos da cama sem poeira nos ombros. Eis-nos repetindo as bofetadas de novo, vezes e vezes sem conta, à beira da porta grega e da porta húngara, mesmo à beirinha da porta do coração do mundo. Somos uns brutos e esquecemo-nos constantemente do cheiro da madeira. Ignorámos o acorde secreto de David. Deixámos para trás a visão de uma mulher tomando banho no terraço ao fim do dia. Brutos completos. Esquecemos os tigres e falsificámos as montanhas, arrasámos com o sagrado, substituímos a palavra liberdade pela pontinha trémula do icebergue. Mentimos aos nossos pais e fingimos usar a camiseta da democracia enquanto cuspíamos na cara do príncipe da paixão. Quero dizer a Leonard Cohen que foi entre terramotos e brigas feias que nossa geração perdeu a chave enferrujada do Chelsea Hotel.
Público
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