quinta-feira, 3 de setembro de 2015

DE OUTROS

VIRIATO SOROMENHO MARQUES

Além dos limites

por VIRIATO SOROMENHO MARQUESHoje
Em 1986 conheci um enfermeiro alemão de nome Albrecht. Ele e a sua mulher tinham-se cruzado num campo soviético. Ele foi soldado na frente leste. Ela, a mulher, foi detida por pertencer a uma família de ascendência alemã, vivendo há três séculos em territórios do Leste europeu que foram mudando de soberano. Albrecht e a esposa foram "afortunados". Ao fim de quatro anos de cativeiro desembarcaram em Bremen de bolsos vazios, mas com uma vontade indómita de recomeçar a vida. A Alemanha percebe de refugiados. Em 1945, enquanto o III Reich se desmoronava, uma vaga de 12 milhões de civis germânicos (Gie Vertriebenen) foi expulsa do Báltico, da Polónia, da Checoslováquia, da Jugoslávia... Entre 500 mil e dois milhões terão perecido nesse ano, "ano zero" da Alemanha. Também eles foram vítimas da criminosa desmesura hitleriana. Comparado com isso, a atual "crise de refugiados" é uma coisa pequena e manejável. O governo de Merkel (sem esquecer a generosa Suécia) tem assumido as posições politicamente mais corretas e moralmente mais decentes sobre este assunto. Muitas são as variáveis (pode sobreviver uma UE sem política externa e de segurança?). Muitas são as incertezas (será legítimo distinguir entre um refugiado político e um económico?). Mas há dois absolutos: qualquer resposta deve assumir que a condição de refugiado é uma prova de fogo que separa a mentira da verdade em matéria de direitos humanos; e ela deve ter uma dimensão europeia, implicando partilha de valores e responsabilidades. É inaceitável o discurso solipsista de David Cameron, ultrapassando até o UKIP. Sobretudo quando Londres - com as suas apostas bélicas erradas no Iraque, na Líbia e na Síria - tanto contribuiu para agravar um problema de que agora quer dispensar-se das consequências.
DN