sexta-feira, 28 de março de 2014

A KULTURA

Helder Macedo Portugal com pior política cultural mesmo em relação à ditadura

O escritor Helder Macedo lamenta que se esteja a "desfazer" tudo quanto foi feito após o 25 de Abril em Portugal, onde atualmente "não há censura, mas há neutralização", numa política passível de nem encontrar paralelo com a ditadura.
"Acho, sincera e honestamente - e isto não é uma coisa, de forma nenhuma, panfletária -, que nós temos o pior governo que se pode imaginar e que eu observei, mesmo pensando em termos do que foi a política cultural do tempo da ditadura", disse o escritor e professor emérito da Universidade de Londres, em entrevista à agência Lusa, em Macau, comentando os cortes "em tudo quanto é investimento cultural, no sentido amplo".
Na perspetiva de Helder Macedo, "não há censura, mas há neutralização", e tudo o quanto foi feito, designadamente em termos do desenvolvimento social e económico, nos últimos 40 anos, depois do 25 de Abril, "está a ser desfeito".
"Temos uma espécie de ditadura ideológica, aliás antiquadíssima, deste neoliberalismo totalmente tonto e 'ideótico'. Há muitas formas de ditadura e não é necessário que a ditadura se chame ditadura para verificar que pseudo-liberais podem marginalizar a maioria da população, que é o que está a acontecer em Portugal", criticou o poeta, romancista e ensaísta.
Para Helder Macedo, que foi secretário de Estado da Cultura no Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo - o V Governo Constitucional -, "de facto, a situação portuguesa atual é lastimável". "É muito triste".
"Os portugueses, depois de terem investido em educação e de terem criado quadros, não têm emprego [e] têm de sair. Dantes, exportávamos mão-de-obra não especializada para trabalhar nas fábricas da Renault, por exemplo, agora exportamos doutorados. O país está a ser totalmente desinvestido", apontou o autor de "Viagem de Inverno", dando o exemplo da política de bibliotecas públicas.
Uma política que "fez com que muita gente em Portugal pela primeira vez (...) começasse a ler". "Está tudo a ser desfeito e está-se a criar de novo uma oligarquia tonta e atrasadinha que nem sequer está a acompanhar o desenvolvimento dos vários neoliberalismos que houve noutros países", disse, referindo "ideologias autocráticas e antiquadas de um elitismo feroz", em que "os ricos estão perfeitamente bem".
Helder Macedo não ignora a existência da "grande crise financeira" - que atingiu a Europa e até os Estados Unidos -, mas, advogou, "há várias maneiras de reagir a isso". E, neste contexto, "as prioridades portuguesas foram marginalizar a grande maioria da população". "Isso aí já não é crise: é ideologia e profundamente negativa".
Uma "ideologia" traduzida em cortes "em tudo o quando é investimento cultural no sentido amplo", descreveu Helder Macedo, referindo-se a áreas que vão desde a cultura, à assistência social, até à educação e à saúde.
Para o professor emérito do King's College na Universidade de Londres, autor do romance "Natália", é "trágico" o atual cenário de saída de milhares de jovens qualificados do país", onde o acesso ao ensino universitário também "vai ser cada vez mais difícil, porque as pessoas não podem sobreviver".
"Não estão a criar as possibilidades de as pessoas usarem aquilo que sabem. É um desinvestimento incrível", sustentou o escritor, recordando a Inglaterra - onde reside - que se encontra "cheia" de cientistas e de outros profissionais da área da saúde, provenientes de Portugal.
Helder Macedo está em Macau para proferir uma palestra subordinada ao tema "O Português e a Cultura Lusófona no Mundo de Hoje" e participar no júri do concurso de declamação de poesia do Instituto Politécnico de Macau e vai regressar a Londres "para mudar de camisa", para seguir, de imediato até Portugal.
No dia 10 de abril, em Lisboa, o autor de "Trinta leituras" irá falar sobre Manuel Teixeira Gomes, antigo Presidente da República (1923-25) e um "escritor muito ignorado e esquecido", mas com "obra extraordinária", que vai da ficção, com "Gente singular", "Sabina Freire" ou "Novelas eróticas", à crónica e ao ensaio, com "Miscelânea", "Inventário de Junho" ou "Cartas sem Moral Nenhuma".
Depois da evocação, Helder Macedo irá participar na conferência "A Ditadura Portuguesa. Porque durou, porque acabou", a realizar-se nos dias 22 e 23 de abril, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
"O que acho muito interessante é a parte dos testemunhos", apontou Helder Macedo, que se encontra na comissão científica da conferência, sublinhando que, além disso, em torno da mesma mesa juntar-se-á, por exemplo, Otelo Saraiva de Carvalho e a filha de Marcello Caetano.
Helder Macedo destacou ainda a sessão final da conferência, que "vai ser potencialmente a mais interessante de todas", e que irá coordenar, em que vão falar os três ex-presidentes da República da Democracia: Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.
Notícias ao Minuto