quinta-feira, 5 de agosto de 2010

DE OUTROS

«O Homo freeportus nasceu da união entre dois aparelhos reprodutores: o do Estado e o dos partidos. Os nascidos desse cruzamento vivem do Estado e naturalmente sentem o Estado como o seu território. Conhecem-lhe os procedimentos, os regulamentos, as excepções aos mesmos e os anexos às disposições gerais. Aliás, grande parte do poder dos freeportus é exercido através da produção contínua de regulamentos, leis e decretos que trazem os demais hominídeos em constante sobressalto.

Os freeportus usam o Estado em seu proveito até ao limite e conhecem trilhos e atalhos onde caem os demais, particularmente os que não fazem parte da tribo dos freeportus, que por eles não são protegidos, ou, pior ainda, quando deixam de o reconhecer como seu aliado. Para os apreciadores da caça é um exercício fascinante ver como os freeportus se coordenam para atacar uma pessoa, um poder ou uma estrutura que a dado momento passam a identificar como um obstáculo. Raramente falham o alvo.

Não há memória de um freeportus ter sido alguma vez punido, até porque após uma situação de risco imediatamente os freeportus detectam o que os levou quase a serem apanhados e logo corrigem a legislação e mudam quem tem de ser mudado.

Os freeportus nunca deixam verdadeiramente o Estado, pois, mesmo quando partem para regiões inóspitas, como o sector privado, tal só acontece porque levam consigo o seu conhecimento do ecossistema estatal que os torna valiosos aos olhos de quem os convida.»
Helena Matos
'Público'