Publiquei esta crónica no semanário «Ponto», em Abril de 1981. Tem uma história curiosa que mete uma livraria no Cais do Sodré, um tradutor de russo, Barcelona e Blaise Cendrars (mais pormenores só por telefone ou à mesa de um café com espaço para fumadores).
Reli-a, agora, e aqui fica ressuscitada:
MAIAKOWSKI EM ÁFRICA
Maiakowski viajou comigo para África. Explico: numa manhã chuvosa de Março de 71
embarquei no «Niassa» que foi paquete e acabou transporte de carne para canhão. Des-
tino: Bissau, capital da Guiné e da guerra colonial. Na bagagem, além dos camuflados,
alguns (poucos) livros. Recordo um: «Autobiografia e Poemas», de Maiakowski, com
edição recente em Lisboa e que não faria a viagem de regresso.
Um livro num trilho de mata africana não era achado vulgar. Uma armadilha? Pre-
cauções redobradas e, finalmente, a certeza: perdido pelas guerrilhas um belo livro
de poemas de Nicolas Guillen, «Antologia Mayor», Ediciones Huracan, La Habana,
1969. Para mim, uma prenda inesperada que me proporcionaria umas horas de agra-
dável leitura. Recordo:
Soldado no quiero ser,
que así no habrán de mandarme
a herir al niño y al negro,
y al infeliz que no tiene
qué comer.
Soldado así no he de ser
Quando voltei a passar pelo mesmo trilho e para mostrar a Maiakowski que nem toda
infantaria ardia no desejo da vitória assassina, deixei o poeta da Revolução Soviética
no mesmo sítio onde encontrara o poeta da Revolução Cubana.
Dias passados, e após um dos muitos ataques ao aquartelamento, os pelotões de re-
conhecimento encontraram, espetado numa palmeira, um papel onde alguém escre-
vera a lápis:
Eis-me quite contigo.
E é inútil o passar em revista
penas,
azares,
e recíprocas feridas
MAIAKOWSKI
No quartel, ninguém percebeu.
PM