Nós éramos um bando que entre livros, serenatas e copos, intercalava umas futeboladas. Para os seminaristas, em regime fechado, o futebol era quase tão importante como o Latim e a Bíblia. Treinavam diariamente, jogavam bem e jogavam duro, com botas de sola de pneu.
Lá pelo meio da segunda parte, com o jogo renhido e empatado, depois de um passe rasgado feito pelo Picado, dominei o esférico e encaminhava-me com rapidez e bom estilo para a linha de fundo, imaginando já o cruzamento para a cabeça de um dos nossos e o subsequente golo fatal que, certamente, nos garantiria a vitória. 'Imaginando', disse, por ser verdade, mas, de facto, não houve cruzamento nem golo: o seminarista que fazia de back esquerdo passou-me uma rasteira e lá fui eu raspando a perna pelo 'pelado' que parecia lixa. O árbitro, um padre e professor da Casa, nem falta marcou. Pecado venial, achei.
A coisa pareceu-me mal e, numa atitude pouco cristã, na primeira oportunidade, numa disputa de bola, alcei a perna e com a travessa da bota 'limpei' a pele da canela do back esquerdo, de cima a baixo. Deve ter doído. O rapaz até me disse: "Olha que eu também xei faxer faltas" ao que eu, com sotaque alentejano, respondi no mesmo dialecto: "Xe xabes faxer faltas, vai faxer faltas prá cona da tua tia". Ele corou, benzeu-se e afastou-se.
O jogo acabou pouco depois e empatado 1-1. Eu saí de campo com a consciência pesada...