Escarlate, mistura pictórica nas telas "atrevidas" dos artistas de todos os tempos, um assomo de raivas provocadoras porque o laranja e o vermelho, em conjunção,
excitam os sentidos e eleva-os ao paroxismo do circulo cromático, a tonalidade, a saturação e o brilho desse vermelhão espalhado nos horizontes rasos mas longínquos onde a planura faz lembrar um enorme quadro abstraccionista derramado em todo o espaço visível e o céu parece abraçar e beijar a terra numa boda de amor eterno, numa dança de corpos ávidos- o tom desse escarlate, o seu saturado e fulgor casam-se na festa das lentidões dos ocasos ao cair das tardes caniculosas raiadas de outros coloridos fugidios impares que imprimem à dinâmica estética do sujeito uma quase ou mesmo sinestesia turbilhonar emotiva em que a estridência dos coloridos dá as mãos apertadas aos cheiros dos sabores dos campos transtaganos.
A luz abre-se em fulgurações cintilantes e a luminosa claridade que enche os verdes campos de Abril em ondulações acetinadas, de suaves verdes, é o prelúdio caprichoso da sinfonia doirada das terras fartas de Julho, e das de Agosto, de um amarelo dorido, sedento, abeberado naqueles rosicleres de magia que penetram a alma até ao desprendimento transcendente como se um ósculo de luz nos envolvesse voluptuosamente para a comunhão perfeita com aquela natureza flutuante que, à semelhança das ondas oceânicas, bailam, vão e vêm desfazer-se nas praias da nossa alma em sortilégios de arrebol arrebatados!...
Mas a terra não é só assim- o Baixo Alentejo espreguiça-se por bastos campos de vinhedos, pão, gados e derivados, olivais, actividades cinegéticas e exploração mineira, tudo esta sub-região tem quase sem ser dela, tem as marcas indeléveis da actividade humana paciente, quase preguiçosa, ancestralmente materializada em todos as lides por mulheres e homens de tez bronzeada, pregaminhada, onde o sol se põe todos os dias nos horizontes e nas almas…
Esta terra tem o maior lago artificial da Europa, o Alqueva, que tanta tinta fez correr, que tanta celeuma levantou e que tantos suores vertidos fez derreter corpos e corações- este rincão, minha Pátria Alentejana, é um alfobre místico de modas polifónicas dolentes entoadas por gargantas limpas que me adormeceram quando fui pequenino, é um ninho de poetas profundos, é um canto sagrado, um canto sagrado onde ainda me abrigo em certas horas que a vida tem como se procurasse o doce carinho perdido, o colo macio ou a ternura dos olhos distantes da minha Mãe Alentejana que continua a existir no fundo do meu tutano telúrico, à tona desta Pátria do Sul, amarrada ao peito como um emblema rútilo mas… já tanto longe de mim… É que sou Alentejano!
E, como Alentejano, tenho na cabeça a cor da terra morena, a dor antiga do seu Povo, os azorragues
de quem nunca foi dono das gentes, do seu trabalho, das suas tristezas ou alegrias, do seu heroísmo anónimo, tenho a fome dos ganhões, tenho as lutas e os espingardeamentos de todos os obreiros do meu Sul estuante- tenho a sua saga ardente, tenho um arrepio no sangue, tenho uma chibatada no peito…
E, como Alentejano, tenho um poema para cantar ao romper da aurora com outros Alentejanos, um poema que não fala mais de fome e de repressão, um cântico libertário da e na Terra Livre onde a ternura seja para sempre uma bênção que adeja em todos os corações solidários pela Fraternidade, pela Justiça e pela Liberdade!
JANEIRO 2014
Daniel Nobre Mendes