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DE OUTROS
O alerta de Hannah Arendt
por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Ver o filme de Margarethe von Trotta sobre Hannah Arendt (1906-1975) é uma medida de saúde pública. Por três razões. Primeira, conhecer Arendt é recuperar alguma esperança na Humanidade. O seu pensamento combina inteligência, lucidez e coragem em estados quimicamente puros. Arendt pertencia à elite espiritual judaica que Hitler e os seus arianos ébrios conseguiram exterminar, ou expulsar definitivamente da Europa. E a falta que fazem os pensadores judeus nesta crise europeia, tornada ingovernável pela incompetência dos políticos venais e dos pequenos e médios intelectuais que os aconselham! Segunda, Arendt viveu com o seu marido em Lisboa, entre janeiro e maio de 1941, fugindo às hordas nazis. Morou na Rua da Sociedade Farmacêutica, n.º 6. Frequentou a pastelaria Suíça. Pouco antes da sua morte, na correspondência particular, mostrava-se preocupada com o futuro de Portugal, e com os discursos incendiários de um tal Otelo... Terceira, neste jogo de sombras em que vivemos, o pensamento de Arendt ilumina o que é essencial. Hoje, o poder político, seja totalitário seja "democrático", tende a ser corrompido com uma nova forma de mentira: a mentira organizada, que faz da crença facto, e transforma este em mera opinião. De Gaulle acreditava que a França era um dos vencedores da II Guerra Mundial. Adenauer acreditava que o povo alemão era uma das vítimas do nazismo. Hoje, Merkel acredita que a aus-teridade é o melhor caminho para a Europa. O pro-blema é que, sem verdade factual, os povos são como navios destinados ao naufrágio. A verdade é o chão que pisamos, diz Arendt. Sem ela, o que se abre é o abismo. A tragédia portuguesa, de um povo governado por quem não distingue os factos das ficções, é a expressão radical de que o alerta de Arendt é para levar a sério.
DN